Estado paralelo
Por Mair Pena Neto,
jornalista (*)
Em uma das inúmeras crises de segurança no Rio de Janeiro travou-se o debate sobre a existência ou não de um estado paralelo controlado pelo tráfico de drogas instalado nas favelas. Foi uma discussão semântica, pois já faz tempo que o crime controla várias partes da cidade, o que só foi agravado com o crescimento de novas modalidades, como as milícias dominadas por ex-policiais.
A campanha eleitoral trouxe a questão a tona novamente, com candidatos sendo proibidos de registrar imagens em certas comunidades e jornalistas obrigados a apagar imagens feitas por flagrarem traficantes armados com fuzis e metralhadoras. O fato novo, ao menos em tempos eleitorais, levou candidatos a protestarem junto ao Tribunal Superior Eleitoral, que considera criar uma força tarefa para atuar no Rio.
Essa possibilidade já revela uma situação de exceção. No Rio, a maioria das comunidades carentes, não apenas nos morros, é controlada pelo tráfico ou pelas milícias que determinam a lei nesses locais. O Estado é impotente diante disso e se limita a ações pontuais, fortemente armadas, que geralmente incorrem em exageros vitimando inocentes.
O tráfico e a milícia cobram taxas dos comerciantes, intimidam moradores, indicam candidatos a serem votados, estabelecem seus próprios tribunais e ignoram qualquer lei que vale para o resto da cidade. Agora, pelo menos por parte das milícias, tentam estender seus tentáculos à política formal, recomendando candidatos. Como o STF parece pouco propício a impedir a candidatura de pessoas com fichas sujas, não demorará muito a termos a bancada do tráfico e das milícias. Para quem já convive com a bancada da bala, nada de espantoso.
Os exemplos de desmandos do tráfico e da milícia no Rio não se limitam apenas aos atos de violência explícita frequentemente divulgados pela mídia.
Em várias comunidades do Rio, os bailes funk, muitas vezes promovidos para celebrar aniversários de chefões, atravessam madrugadas inteiras, tocando até o sol raiar músicas obscenas, em decibéis incalculáveis, que invadem as casas de toda a vizinhança. Se são um incômodo para quem vive a um quilômetro do local das festas, imagine para os moradores locais, sempre as maiores vítimas.
As letras da maioria dos funks tocados nessas festas são pornográficas e ofensivas à dignidade das mulheres. E pelo volume em que são executadas fica impossível não serem ouvidas por crianças, idosos e famílias inteiras.
Em qualquer outra parte da cidade, um chamado à polícia serviria para resolver a questão. Mas a polícia não entra nessas comunidades e nem o Estado tem autoridade para exercer seu poder coercitivo. Isso só não é estado paralelo por eufemismo.
(*) Artigo originalmente publicado no saite Direto da Redação, editado em Miami (EUA). Para ler outros artigos, clique aqui.
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