Assepsia processual
Passado o pico da pandemia de Covid-19, o Judiciário inicia sua reabertura ao público externo gradativamente, e com uma série de medidas para prevenir um novo surto da doença. Em uma determinada comarca, o diretor do foro dá uma entrevista coletiva, orgulhoso das iniciativas vanguardistas que implementou e dos resultados que vem obtendo.
- Doutor diretor, quais foram as inciativas que esta serventia implementou para evitar a disseminação do coronavirus? – indaga uma repórter.
- Para começar, vamos trabalhar com menos servidores e juízes do que precisaríamos, dado o número de processos que tramitam nesta comarca. Assim, evitaremos aglomeração de pessoas dentro das repartições, reduzindo o risco de contágio.
- Oooh! – exclama a plateia em uníssono, admirada com a abnegação e sacrifício pessoal que vem sendo realizado por funcionários e magistrados daquela comarca.
- Mas não é só isso... – prossegue o diretor – ... criamos o escaninho da quarentena processual, que nada mais é do que um prateleira para onde vão todos os autos que estavam em carga com os advogados e as respectivas petições para juntada. Esses documentos ficam em quarentena duas ou mais semanas, antes de o servidor realizar a juntada e remetê-los para os magistrados. Dessa forma, garantimos que o eventual vírus já estará morto, quando da conclusão do processo.
Uma onda de aplausos começa tímida pelo recinto, mas o juiz diretor a interrompe rapidamente, pois tinha ainda mais medidas para anunciar:
- E depois que os prazos processuais se encerram, também estamos deixando os processos em quarentena nas respectivas prateleiras para que não haja chance de o coronavírus sobreviver!
A plateia se levanta como que coreograficamente para aplaudir as iniciativas. Gritos e assobios também são ouvidos até que o agito começa lentamente a esmaecer, ocasião, em que o magistrado chefe, prossegue em sua explanação:
- Infelizmente, os juízes não atenderão mais os advogados, mas esse é um sacrifício necessário, em nome da responsabilidade social.
Os presentes acenam positivamente demonstrando a compreensão de que tal providência se justifica. Em seguida, um repórter se levanta para perguntar:
- Mas, senhor diretor, e o impacto que estas medidas estão tendo na celeridade processual? Vocês já têm números para divulgar nesse sentido?
O semblante do juiz comandante parece exprimir incerteza ao responder:
- Pois é... Ainda estamos tentando entender, mas asseguro-lhes que o prazo médio de duração de um processo, nesta comarca, não aumentou um dia sequer.
E então o público explode em gritos e aplausos entusiasmados! O diretor forense, percebendo a sua aprovação perante o público, ergue os braços e exclama:
- Celeridade e assepsia processual! Este é o nosso lema!
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