Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    O combate às ´fake news´ irá nos calar?

    Publicado por Espaço Vital
    há 6 anos

    Por Henrique B. Souto Maior Baião (OAB/SC nº 17.967), João Paulo de Mello Filippin (OAB/SC nº 18.112 e Glauber William Duarte (RG nº 6.293.192).

    A propagação de notícias falsas não é um fenômeno novo, embora o rótulo Fake News dê um ar de novidade à questão. É fato que semear mentiras para obter vantagens é uma trapaça antiga. Também é fato que – junto à eleição presidencial que se aproxima – as Fake News são “o assunto” no Brasil neste início de 2018. Grande parte disso ocorre porque uma parte da mídia – sobretudo a americana – defende que as Fake News influenciaram o resultado da eleição presidencial de 2016, que findou com a vitória de Donald Trump como 45º presidente da América[i][ii].

    A preocupação com as Fake News não demorou a chegar ao Brasil e logo aguçou os grandes veículos de comunicação e os provedores das redes sociais, mesmo que haja quem diga, por outro lado, que o poder das Fake News é Fake News[iii]. O Facebook, por exemplo, chegou a lançar, ainda em 2016, um sistema de fact-checking, que, em alianças com organizações exteriores, verificava as informações e marcava publicações consideradas Fake News com um ícone em formato de triângulo vermelho (red flag). Isto chegou a diminuir a difusão de publicações procedentes de fontes vistas como duvidosas, mas, segundo a organização capitaneada por Zuckerberg, tais medidas não foram suficientes ao combate efetivo às notícias falsas[iv].

    O Tribunal Superior Eleitoral, preocupado com o possível impacto das Fake News nas eleições presidenciais de 2018, prometeu atuação proativa no combate às notícias falsas[v]. O antigo presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, disse que “o fato de uma notícia ser danosa a alguém não significa que tem que ter sua veiculação impedida”[vi]. O novo presidente do TSE, ministro Luiz Fux, afirmou também que “apesar desse combate, não se pretende tolher a liberdade de expressão e de informação legítima do eleitor”[vii].

    Essa atuação proativa envolve atores como o CGI.br (Comitê Gestor da Internet), a Abin (Agência Brasileira de Inteligência)[viii], os Ministérios da Defesa e da Justiça, a Polícia Federal[ix] e pesquisadores da área, assim como os próprios representantes das redes sociais (Facebook, Twitter, WhatsApp e Google)[x]. O principal objetivo do TSE parece ser a rápida retirada de conteúdos falsos da rede e a pronta identificação do (s) responsável (eis) pela disseminação da informação. Vale lembrar que o TSE tem até o dia 5 de março para divulgar a regulamentação final, com as regras a serem seguidas na campanha[xi].

    É de ressaltar que a campanha eleitoral de 2018, no que tange à propaganda eleitoral, durará menos tempo[xii] – início em 16 de agosto – e contará com menos dinheiro, em razão do limite de gastos e do veto à doação empresarial, o que tornou a internet e as mídias sociais o carro-chefe da maioria dos candidatos. Muitos candidatos apostam todas as fichas na influência que possuem junto às mídias sociais, sobretudo a fim de se equiparar no enfrentamento contra candidatos de partidos que terão mais tempo de propaganda eleitoral nos grandes veículos de comunicação e mais dinheiro, por força da divisão do fundo partidário[xiii].

    A despeito disso, a grande questão é: quem dirá o que é Fake News? Haverá a criação de um órgão estatal para a verificação de todas as notícias? A própria mídia será incumbida de agir neste sentido? A apreciação da veracidade da notícia ficará a cargo do Poder Judiciário? Qualquer resposta a estas questões deve ser dada com muito cuidado, pois qualquer decisão equivocada no que tange às Fake News, seja pelo Estado no âmbito do Executivo, seja pelo Poder Judiciário, acarretará verdadeira censura. À mídia, num primeiro momento, cabe a atuação firme no combate às notícias falsas, pois somente com informações verdadeiras é que se combate informações falsas. A realidade é que a solução para tais questões não será algo fácil de se encontrar. O Legislativo também já se movimenta propondo soluções, tal como o Senador Ciro Nogueira (PP-PI), que apresentou um projeto de lei prevendo pena de até três anos de reclusão para quem divulgar notícias falsas[xiv].

    De todo modo, é evidente que não pode haver, no âmbito das redes sociais, a estigmatização deliberada de perfis com red flags ou qualquer outro mecanismo indicativo de que determinado profile é considerado um produtor/proliferador de Fake News. Google e Facebook já se manifestaram publicamente no sentido de que aumentarão o número de pessoas destinadas à revisão de conteúdo e reforçarão seus termos de serviço, de modo a livrar suas plataformas de conteúdos falsos e ilegais[xv].

    Todavia, o obscurantismo destas plataformas, seu poder de fato e os interesses que defendem não indicam que haverá isenção na análise de conteúdos potencialmente falsos e ilegais. À luz do ordenamento jurídico brasileiro, isto viola as mais primordiais garantias constitucionais e fere de morte os direitos de personalidade do proprietário do perfil estigmatizado.

    Não deve haver, igualmente, prévia e arbitrária retirada de conteúdos por parte do Estado – em cooperação com os atores acima citados –, sem que antes seja oportunizado o contraditório judicial àquele apontado como autor ou divulgador de notícias falsas, por configurar manifesta censura. Imagine o seguinte cenário: um perfil divulga na rede social uma notícia capaz de mudar o rumo da corrida presidencial; o lado interessado em abafar a notícia se mobiliza e passa a promover denúncia em massa contra o perfil que divulgou a notícia, acusando ser caso de Fake News. Qual seria o próximo acontecimento?

    Evidentemente, como, aliás, já acontece atualmente, a notícia seria imediatamente retirada de circulação e, possivelmente, o perfil seria suspenso, além de, na sequência, ser estigmatizado com uma red flag, o que interferiria sobremaneira na disputa à presidência. Com esta onda de combate às Fake News, este parece o cenário mais provável.

    Parece claro, de igual modo, que os principais destinatários destas medidas tendentes a combater as Fake News serão os jornalistas não vinculados a grandes veículos de comunicação, os digital influencers e youtubers, os proprietários de blogs de menor expressão, enfim, aqueles que, de algum modo, fazem a veiculação de notícias de forma independente. Em outras palavras, qualquer informação que não esteja assinada por um grande veículo de mídia terá grande chance de ser marcada como Fake News.

    Alguns veículos de comunicação – em geral, os grandes – se colocam a favor das medidas destinadas a combater as Fake News, enquanto os demais[xvi] suscitam alguns questionamentos, tais como: se notícias falsas existem, elas realmente são capazes de definir o resultado de eleições? As notícias falsas são um problema maior do que todas as notícias do mundo serem filtradas por pessoas que sequer conhecemos e/ou elegemos, para que acreditemos somente no que alguém (quem?) disse que é verdade? Afinal, como dizia o poeta romano Juvenal: quis custodiet ipsos custodes? (quem vigia os vigilantes?)

    É lógico que as Fake News causam diversas implicações jurídicas perigosas. No âmbito penal, a criação/divulgação dolosa de notícias falsas pode configurar algum (uns) dos crimes contra a honra (calúnia, difamação ou injúria). As consequências civis, porém, são mais amplas, podendo-se responsabilizar aqueles que disseminarem, ainda que de forma culposa (sem tomar as devidas cautelas), informações não verdadeiras, por configurar prática de ato ilícito, acaso venha causar prejuízo à outra pessoa. Em suma, quem for vítima de Fake News pode (e deve) buscar a responsabilização civil e penal do (s) responsável (eis).

    Contudo, a questão mais delicada, a nosso ver, é que a liberdade de expressão está em franca ameaça. A linha entre o combate às Fake News e a censura deliberada é tênue. Ainda que muitos digam sobre a potencialidade dos boatos – mesmo que não haja nenhum estudo fidedigno apontando em tal sentido –, não parece razoável que haja uma censura velada sob o apelo de proteger o processo eleitoral ou de fazer as pessoas enxergarem somente a verdade filtrada por não se sabe quem.

    A liberdade de expressão não é absoluta, mas certamente os freios civis e penais que hoje vigoram são aptos a tratar todos os casos, desde que sejam levados ao Judiciário na exata medida dos acontecimentos, para que seja possível a aferição da veracidade da informação acusada de Fake News sob o crivo das garantias constitucionais, até para que não se cometa nenhuma injustiça.

    • Publicações23538
    • Seguidores514
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações95
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-combate-as-fake-news-ira-nos-calar/556324013

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)