Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    A retirada da CNH do devedor de alimentos

    Publicado por Espaço Vital
    há 7 anos

    Por Daniel Ustárroz, advogado (OAB-RS nº 51.548).
    ustarroz@terra.com.br

    Um dos temas mais delicados no Direito envolve a chamada “prisão civil”. Resquício da ideia romana de que o obrigado deveria responder com o seu corpo pela execução das dívidas que livremente contraiu, a prisão civil perdura até hoje, embora o seu campo de atuação tenha sido substancialmente reduzido ao longo dos séculos, com a humanização do Direito.

    Entre nós, na prática, ela é limitada à hipótese do inadimplemento inescusável do encargo alimentar. Historicamente, justifica-se a prisão civil como um meio efetivo de constranger o devedor de alimentos a pagar a pensão.

    Narram os operadores, com experiência no assunto, que uma ordem de prisão costuma ser imediatamente cumprida pela maioria dos obrigados, os quais logicamente receiam os efeitos deletérios do encarceramento. Antes do recolhimento, o direito garante ao devedor a possibilidade de pagar a dívida ou oferecer uma justificativa plausível para o não cumprimento do encargo. Quando indeferida pelo juiz, aí surge o mandado de prisão.

    Contudo, nem no ponto de vista legal, nem à luz da prática, a ameaça de prisão serve para resolver todos os problemas enfrentados pelos credores de alimentos, os quais, em geral são crianças, adolescentes, jovens-adultos fora do mercado de trabalho e idosos com dificuldade em prover o próprio sustento.

    Caso cumprido o mandado, o afastamento do devedor do convívio social não resolve o problema do credor, quiçá até mesmo o agrave, pois o devedor estará afastado do mercado de trabalho. Intui-se que, em geral, a prisão decorre mais da falta de recursos do obrigado do que propriamente de sua vontade.

    Ultrapassado o prazo de até 90 dias fixado pelo juiz, a dívida permanece, ou melhor, é acrescida pelas parcelas que vencem durante o período de ergástulo. Não à toa, o eminente professor Rolf Madaleno já apelidara esse penoso procedimento de “calvário da execução de alimentos”.

    Dentro desse contexto, uma alternativa que está sendo cogitada por alguns julgamentos do TJRS é a determinação judicial para que o devedor entregue em juízo a sua Carteira Nacional de Habilitação, de sorte que seja privado do direito de dirigir, enquanto aberta a dívida (25.05.2017, AI nº 70072172513, 8. C.C., dentre outros julgados). Trata-se de medida extremamente polêmica, secundada pelos seus adeptos a partir do princípio da atipicidade dos meios executivos, previsto no sistema processual (art. 139, inciso IV do NCPC).

    Se, por um lado, essa iniciativa pode ser criticada por diversos argumentos, tal como desvinculação do juiz ao princípio da legalidade, que daria margem ao temível “governo dos juízes” (decisionismo amparado pela consciência e livre do império do Direito), é inegável que oferece ao réu uma medida muito menos gravosa do que o seu afastamento da sociedade.

    A sua aplicação, contudo, deve ser precedida da análise de sua pertinência no caso concreto. Não deve ser mecânica. Por ilustração: não haverá sentido em se retirar a CNH de um taxista ou de qualquer outro motorista profissional (Uber/Cabify, etc.). Melhor será, ao menos nessa segunda opção, oficiar os empregadores ou as empresas que gerem os aplicativos para que depositem parcela da receita gerada em juízo.

    Conquanto polêmica, caso adotada com cautela e com o objetivo de evitar um “mal maior”, a substituição da prisão civil pela suspensão da CNH, ao menos como uma primeira tentativa de constranger o devedor a cumprir com o seu dever legal, parece ser um adequado caminho para conciliar os direitos e as expectativas das pessoas envolvidas.

    Todavia, fora dessa diretriz de proteção do devedor, a retirada da CNH para constranger o adimplemento de outras dívidas civis, fiscais, trabalhistas, administrativas ou de qualquer outra natureza apresenta-se extremamente perigosa e como tal não deve ser tolerada.

    Por fim, não creio que algum devedor possa se sentir lesado pela preterição de sua prisão por uma medida que restringe direitos menos relevantes do que a própria liberdade do sujeito.

    • Publicações23538
    • Seguidores515
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações254
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-retirada-da-cnh-do-devedor-de-alimentos/472665387

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)