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19 de Abril de 2024

A inconstitucionalidade da Constituição e a PEC nº 241/55

Publicado por Espaço Vital
há 7 anos

A PEC 241/55 visa introduzir na Constituição Federal - no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - um novo regime fiscal que deverá vigorar "por vinte exercícios financeiros", congelando o Orçamento Geral da União e, consequentemente os gastos públicos reais. Tal pretensão já levou o Ministério Público da Bahia - por exemplo - a indagar: "Como congelar as necessidades sociais por 20 anos?"

Economistas de várias escolas e origens teóricas, de outra parte, preveem uma asfixia completa nas áreas da saúde e da educação. Sem entrar no mérito do "objetivo final" da PEC, que seria o saneamento das finanças públicas (que só seria comprovável no final destas duas décadas), sua aprovação estará sob risco de uma declaração de inconstitucionalidade. A necessidade econômico-financeira, mesmo que seja ferreamente determinada, nem sempre é solucionável pelos meios que a política escolhe.

Refiro-me à possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma de porte constitucional, seja pelo fato de uma PEC afrontar os processos formais previstos para reformar a Carta constitucional, seja pelo fato de a Emenda aprovada atingir "cláusulas pétreas", ou por ambas as possibilidades conjugadas. No Brasil pós-88, temos diversos casos de declaração de constitucionalidade (e de inconstitucionalidade) de Emendas Constitucionais, o que desde logo conforta a hipótese de que a solução da PEC 241/55 - se aprovada - irá para a validação da nossa Corte maior.

Ministros de todas as formações jurídicas - de Cezar Peluso a Marco Aurélio; de Ellen Gracie a Sepúlveda Pertence; de Moreira Alves a Celso de Mello - já lidaram com hipóteses semelhantes. Lá no STF, portanto, se decidirá se é aceitável ou não, dentro do nosso Estado de Direito, não uma simples Emenda, mas uma "mudança de sentido" de uma Constituição Democrática, no período mais longo de democracia, que já fruímos desde a República.

Se o STF aceitar esta mudança de sentido, que transforma uma Constituição e seu Estado Social, numa Constituição vincada exclusivamente nos conceitos fiscalistas formatados num Estado "mínimo", teremos um novo panorama jurídico político no país, disputado na União Europeia há mais de quarenta anos por meio de complicadas negociações e decisões transconstitucionais, que ainda não encontraram seu ponto de repouso.

Na verdade, se a PEC for aprovada e se tornar vigente, teremos, não somente uma situação diferida de uma Emenda, mas uma completa mudança de identidade da Constituição, num verdadeiro "suicídio do Estado de Direito Democrático sob a forma da legalidade" (Konrad Hesse), cujos efeitos serão percebidos, imediatamente, na desintegração do Estado Social da Constituição de 88 que dela emanou. Pode ser argumentado que esta foi (ou é) a única forma de resolver a situação fiscal do país, no âmbito de uma crise global, mas isso não torna juridicamente apropriado o remédio escolhido para solucioná-la.

O constituinte de 88, mal ou bem - dentro das astúcias da política num processo de pacificação entre os grupos originários do governo militar e a oposição liberal - resolveu compor um Estado Democrático e Social de Direito. E o fez através de uma Constituição - como disse o ministro Francisco Rezek - "de extraordinária riqueza nos valores que consagra", cuja frustração resulta "do fato de que nem todas as políticas ali prescritas se puderam implementar". ("Constituição Federal - 20 anos", Ives Gandra Martins, Francisco Rezek, Tarso Genro "et alli" - "Avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro", Ed. RT, pg.30).

Se é verdade que a aplicabilidade da Constituição de 88, nas suas cláusulas sociais e nos seus direitos fundamentais, sofreu pesados bloqueios econômicos (que se expressaram nas suas sucessivas peças orçamentárias), não é menos verdade que o Estado Social ficará revogado por inteiro, com a aprovação da PEC em análise: se era difícil uma boa desenvoltura do Estado Social, com a situação fiscal em crise, esta desenvoltura se torna impossível, pela saída escolhida para superá-la.

Segundo Roberto Alexy "os princípios transformados em valores" são "comandos de otimização, cuja intensidade permanece para ser determinada" (teoria da ponderação de bens) de acordo com cada caso concreto, para fazer "valer os valores", segundo a sua melhor possibilidade para a comunidade. Os valores que estão explicitados nos direitos sociais e fundamentais do Estado Social, no caso em tela, terão de ser contrastados com aqueles que vêm por dentro da ordem financeira mundial, na qual a estabilidade e a dívida - seja ela legítima ou não, tanto no seu custo como e no seu montante - passam a comandar o Direito.

É uma decisão histórica, que será tomada pelo STF, que passará a ser pelo que decidir, não somente o guardião da Constituição, mas também o tutor do processo político que irá suceder seu veredito.

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Análise, a meu ver, equivocada. O aspecto econômico precisa ser observado, sob pena de inviabilização da aplicação dos dispositivos constitucionais justamente como apontado. Chamar a nossa Constituição de defensora de um Estado mínimo é até engraçado, pois ela arrola tantos direitos que inviabiliza sua própria aplicabilidade. Para falar dessa PEC é essencial ter um conhecimento mínimo de economia. Tributamos quase 40% do PIB. Gastar mais significa ter que tributar mais, sufocar ainda mais a economia, o que teria efeito reverso, prejudicando a arrecadação, em vez de beneficiar. Isso é bom pra quem? continuar lendo