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26 de Abril de 2024
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    Doutor Arlindo

    Publicado por Espaço Vital
    há 13 anos

    Por Sérgio Souza de Araújo,

    ex-escrivão do cartório da 7ª Vara Cível de Porto Alegre

    Lembro-me bem, fazia verão e o calor no Foro era abrasador já às 10h daquela manhã do mês de dezembro de 1971. Feito o chamamento das partes para o ato de purga da mora de uma ação de despejo por falta de pagamento de locativos e encargos, atenderam-no o advogado da parte autora e a própria locatária, sra. Esperança, que compareceu acompanhada de sua prole - cinco filhos com idades variadas de um a sete anos de vida.

    Na qualidade de empregado da serventia cabia-me a função de realizar o ato de pagamento, datilografando o respectivo termo que era feito no próprio balcão do cartório - considerando a singeleza da solenidade.

    Naquela época a purga da mora em ação de despejo era requerida pela própria parte ré - na maioria das vezes o pedido era formulado de forma manual - e no mesmo instante o cartório já aprazava a data para o pagamento, que via de regra, obedecia o prazo legal de 15 dias, ficando desde já intimado o inquilino do dia e hora da audiência de pagamento.

    Pois bem, no feito mencionado acima o advogado do autor era o Dr. Arlindo João Dreher (OAB/RS nº 764), profissional reconhecido nos meios forenses por seu caráter íntegro e peculiar lealdade processual.

    Abertos os trabalhos a sra. Esperança dirigindo-se ao Dr. Dreher disse-lhe:

    - Fiquei viúva há dez dias; meu marido era barnabé do município e a pensão que tocou-me é de valor insuficiente para pagar o débito existente e dar de comer aos meus cinco filhos.

    E chorando finalizou:

    - Só tenho 200 cruzeiros (moeda vigente na época).

    O cálculo judicial apurara o débito total de 265 cruzeiros. Do total, 200 eram relativos aos alugueis em atraso; 40 cruzeiros de honorários advocatícios; e 25 eram pertinentes às custas processuais.

    O Dr. Arlindo vendo a situação de penúria da inquilina Esperança e considerando a circunstância de que ficara com cinco bocas para alimentar, disse-lhe:

    - Está bem. Aceito o pagamento proposto e declino do recebimento de meus honorários profissionais e das custas judiciais pagas por meu cliente.

    E dirigindo-se a mim asseverou:

    - Meu rapaz, faça o termo consignando que a inquilina efetua o pagamento do débito total apurado pela contadoria do Foro a cujo valor dou-lhe total quitação, requerendo desde logo a baixa e o arquivamento do processo.

    Indaguei-lhe se não queria registrar no termo a dispensa do pagamento dos honorários e das custas judiciais? Ao que me respondeu-me:

    - Não meu filho isso é desnecessário já que a verba honorária não me fará mais falta do que a esta senhora e as custas pagas pelo autor eu providenciarei no ressarcimento.

    E logo acrescentou:

    - Quando prestei o juramento de exercer a Advocacia com ética e de maneira correta e digna, comprometi-me de sempre perseguir a justiça sem, entretanto, afastar-me do conceito de justeza.

    Assim era o Dr. Arlindo João Dreher, homem probo e um admirável ser humano, advogado da mais alta estirpe e que muito honrou a classe dos profissionais da Advocacia, por mais de 50 anos.

    Esse homem exemplar faleceu no última sexta-feira (02), encerrando assim uma carreira de pleno sucesso, restando-me prestar-lhe esta simples, mas sincera, homenagem e rogando que ele descanse em paz.

    sergiosouzaaraujo@gmail.com

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/doutor-arlindo/2829663

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