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18 de Abril de 2024
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    O Estrangeiro?

    Publicado por Espaço Vital
    há 14 anos

    Por Dionísio Birnfeld,advogado (OAB/RS nº 48.200)

    Ontem, o Espaço Vital tornou público o terrível caso de assédio sexual de uma funcionária das Lojas Renner por um superior hierárquico que transformou a vida da moça num verdadeiro sofrimento.

    Durante um ano, a trabalhadora foi perseguida por um supervisor que com ela insistia em ter relações sexuais. Reiteradamente cantada com mau gosto e vigiada por câmeras, a pobre chegou a ser obrigada a vestir um espartilho para que um cliente (homem) apreciasse a peça que estava comprando.

    O supervisor esfregava-se e tentava agarrá-la, tudo sob ameaças em alto e bom som, para que todos ouvissem de despedida caso a funcionária não cedesse. Das reclamações à empregadora, a vítima só recebeu chacotas e humilhações e a sugestão de que pedisse demissão.

    Fez-se alguma justiça com a condenação da empregadora a reparar os danos morais suportados pela vítima, mas a quantia arbitrada pelo TRT-4 R$ 10 mil - é muito baixa. A condenação tão pequena por um ilícito tão repugnante - a uma empresa cujo lucro líquido foi de R$ 36,9 milhões no primeiro trimestre de 2010 - chegou a ser menor ainda na sentença de primeiro grau.

    A sentença arbitrara quantia de apenas R$ 5 mil. O motivo? A postura tomada pela autora em audiência...

    Segundo o magistrado de primeiro grau, a literatura relata que em situações que tais, a vítima costuma sentir-se inferiorizada, envergonhada, subjugada, inclusive caindo em choro ou constrangimento ao relembrar as situações vexatórias. Mas no caso que comentamos, não! A moça manteve-se altiva, firme, nada acuada e espontaneamente indicou expressões chulas que lhe foram dirigidas, sem se constranger. Concluiu o julgador que as situações vexatórias não causaram maiores repercussões à personalidade da autora. Por isso deferiu-lhe reparação de apenas R$ 5 mil.

    Os fundamentois sentenciais permitem deduzir que ser - na audiência - a vítima tivesse chorado e se mostrado constrangida, o valor da indenização seria mais alta. Mas como saber o que realmente, no íntimo, sentia a moça somente a partir do que aparentava?

    Claro, decisões judiciais devem ser respeitadas, especialmente as fundamentadas, como esta, mas não posso deixar de comparar o caso à obra "O Estrangeiro", de Albert Camus. Nela, Mersault o personagem central mata um árabe, mas o crime em si é apenas um pano de fundo para o julgamento moral pelo fato de não haver chorado no enterro de sua própria mãe. Advogados, jurados e testemunhas tentam obter dele alguma reação emocional (ainda que simulada), à morte da mãe.

    Em grande parte nossas emoções são sugestionadas por pressões sociais. Por isso, devemos ter muito cuidado ao exigir dos outros a mesma expressão emocional que alguns teriam ou que nós mesmos teríamos diante de determinada situação. O julgamento é do ato do ofensor e não da vítima (principalmente quando esta não tem culpa concorrente).

    Somos iguais, mas diversos. Por isso, a luta moderna deve ser por identificar o dano moral mais como lesão à dignidade da pessoa humana do que a bens jurídicos ou direitos subjetivos. A pessoa é, ao mesmo tempo, titular do direito e alvo da proteção do ordenamento jurídico. Foco no ser.

    A dignidade da pessoa é fundamento da República e serve de apoio a toda a ordem jurídica. Os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral, da liberdade e da solidariedade são marcos dessa nova compreensão.

    Dano moral não é, portanto, medo, dor, vexame, estresse, humilhação. Não é papel do Direito checar se a violação acarreta sentimentos ruins, mas, sim, valorizar a cláusula de proteção humana, não admitindo que violações à igualdade, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade social e familiar fiquem sem ressarcimento ou recebam reparação ínfima.

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    dionisio@marcoadvogados.com.br

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-estrangeiro/2269769

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