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25 de Abril de 2024
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    Ninguém tem o dever de auto-incriminar-se

    Publicado por Espaço Vital
    há 15 anos

    Por Luiz Fernando Boller ,

    Desembargador substituto do TJ-SC

    A fastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas: detenção, de seis meses a um ano, ou multa. (art. 305, da Lei nº 9.503, de 23/09/1997 - Código de Trânsito Brasileiro).

    R eferido delito é denominado de fuga à responsabilidade. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (1969), em seu art. 8º, declara: (...) Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, a declarar contra si mesmo, ou seja, a auto-incriminar-se.

    A responsabilidade civil ou criminal do indivíduo que causa um acidente de trânsito não depende de sua não evasão do local. O fim da norma incriminadora em pauta é perfeitamente alcançável através da aplicação da lei civil (que atribua ao agente responsabilidade pela reparação dos danos que tiver causado) e da lei penal (que descreva como crime a conduta praticada pelo agente envolvido no acidente de trânsito) sem que seja necessária a incriminação da fuga do local.

    O bem jurídico protegido é alcançável pela simples aplicação destas outras normas, que tornam o agente civil ou criminalmente responsável. No mesmo sentido, Damásio E. de Jesus ensina: A lei pode exigir que, no campo penal, o sujeito faça prova contra ele mesmo, permanecendo no local do acidente? Como diz Ariosvaldo de Campos Pires, `a proposição incriminadora é constitucionalmente duvidosa´ (Parecer sobre o Projeto de Lei nº 73/94, que instituiu o CTB, oferecido ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, 23/07/1996). Cometido um homicídio doloso, o sujeito não tem a obrigação de permanecer no local. Como exigir essa conduta num crime de trânsito? De observar o art. 8º, II, g, do Pacto de São José: ninguém tem o dever de auto-incriminar-se.

    P enso que o referido tipo penal é inconstitucional, porquanto contraria o princípio pelo qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, não sendo razoável, a meu sentir, impor a alguém que permaneça no local do crime para se auto-acusar e, por conseguinte, sofrer as conseqüências penais e civis do ato que provocou.

    D iz, Guilherme de Souza Nucci, sobre o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro: Trata-se do delito de fuga à responsabilidade, que, em nosso entendimento, é inconstitucional. Contraria, frontalmente, o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo - `nemo tenetur se detegere´. Inexiste razão plausível para obrigar alguém a se auto-acusar, permanecendo no lugar do crime, para sofrer as conseqüências penais e civis do que provocou. Qualquer agente criminoso pode fugir à responsabilidade, exceto o autor de delito de trânsito. Logo, cremos inaplicável o artigo 305 da Lei 9.503/97 (in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 848).

    N o mesmo sentido leciona Luiz Flávio Gomes, para quem: Que todos temos a obrigação moral de ficar no local do acidente que provocamos não existe a menor dúvida. Mas a questão é a seguinte: pode uma obrigação moral converter-se em obrigação penal? De outro lado, sendo legítima a exigência de ficar no local, por que impor essa obrigação apenas em relação aos delitos de trânsito, sabendo-se que o homicida doloso, o estuprador, etc. não contam com obrigação semelhante? Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, a declarar contra si mesmo, ou seja, a auto incriminar-se (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8). O dispositivo em questão resulta numa espécie de auto-incriminação. De outra parte, ninguém está sujeito a prisão por obrigações civis (ressalvando-se as duas hipóteses constitucionais: alimentos e depositário infiel). No art. 305 do CTB está contemplada uma hipótese de prisão (em abstrato) por causa de uma responsabilidade civil. Pelas razões invocadas, em suma, há séria dúvida sobre a constitucionalidade do preceito legal em debate (in Estudos de Direito Penal e Processo Penal, Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição - 2ª tiragem, 1999, páginas 46 e 47).

    A ssim, entendo que o referido tipo incriminador (art. 305 do CTB) ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal, e também o princípio da proporcionalidade previsto na mesma Carta Magna, no art. , `caput´. Aliás, recentemente o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acolhendo incidente (disponível em

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