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16 de Abril de 2024
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    Quando o adversário é o clube de coração

    Publicado por Espaço Vital
    há 15 anos

    Por André Schleich ,

    advogado

    E m meio à contagem regressiva de pouco mais de cinco anos para a realização da tão sonhada Copa do Mundo no Brasil - e cujas atenções vem se direcionando principalmente para assuntos de desenvolvimento urbano e econômico - é surpreendente que questões quase que arcaicas, de organização esportiva, ainda transformem em vítimas aqueles que fazem da paixão pelo futebol uma fervorosa rotina em suas vidas.

    E isso, infelizmente, restou cristalinamente evidenciado na última semana, quando, em meio às agitadas decisões da Copa do Brasil e semifinal da Taça Libertadores da América, os clubes gaúchos, e também a Brigada Militar, demonstraram preocupantes indícios de despreparo, em não proporcionar aos seus torcedores a segurança e organização necessária, em jogos de maior relevância, que contem com a participação maciça do público em geral.

    N este ponto, mais de seis anos se passaram desde que o revolucionário Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671 /03) foi sancionado, e faltando pouco mais de cinco anos para a realização da Copa do Mundo no Brasil, ao que parece, ainda precisamos evoluir muito para sediarmos jogos de tamanha importância, a começar pela própria organização local.

    N a condição de espectador que compareceu tanto no jogo Internacional x Corinthians, realizado na quarta-feira (01/07), quanto Grêmio x Cruzeiro, realizado na quinta (02/07), foi-me possível constatar que em ambos os jogos emergiram inúmeras falhas concernentes à organização, segurança e acesso dos torcedores aos estádios.

    A começar pelo jogo de quarta-feira (1º), realizado no Estádio Beira-Rio, foi notória a formação de gigantescas filas, onde mais de 50 mil torcedores se amontoavam, face à falta de estrutura e à insuficiência de funcionários que pudessem orientar, de forma ordenada, a entrada dos espectadores no estádio. Aqueles que chegaram ao estádio por volta das 19h, só conseguiram ter acesso às acomodações internas após às 21h50min, quando a partida já havia começado.

    N este meio tempo, em meio à desorganização, os ânimos eram exaltados. Aqueles que aguardavam há horas nas filas disputavam lugar com os famigerados furões, estabelecendo-se cenário de conflito e agressividade entre os próprios torcedores.

    N a quinta-feira (02), porém, os incidentes ocorridos foram ainda mais graves, com o fechamento prematuro de portões, enquanto ainda havia espaço disponível no interior do estádio, ocasionando graves e preocupantes situações de confronto, de torcedores entre si e destes para com a Brigada Militar. Em razão disso, cerca de cinco mil pessoas foram impedidas de ingressar no estádio, mesmo estando com seus ingressos em mãos, situação de absoluto desrespeito ao torcedor que, mais uma vez, foi vítima da desorganização dos clubes e dos excessos cometidos pela Brigada Militar.

    C om o decorrer das horas, à medida que o Estádio Olímpico foi tendo seus espaços tomados, no lado externo, o cenário de desordem e violência começou a tomar proporções cada vez mais tensas, com estouro de bombas, pessoas sendo agredidas e torcedores em pânico, colocados em meio à correria dos cavalos da BM.

    N este ponto, aliás, sempre foi incompreensível que cavalos sejam colocados a perambular entre seres humanos, sobretudo em ambientes de notória aglomeração, situação que inclusive assusta os próprios animais e coloca em risco a integridade física de toda coletividade. Nunca, em nenhum grande estádio da Europa, se presenciou policiais montados em cavalos, intervindo contra torcedores que, de forma humilhante, são acuados, obrigados a dividir o espaço de circulação com o risco, o mau-cheiro e as fezes daqueles animais.

    C uriosamente, porém, em meio à confusão generalizada, um verdadeiro campo de batalhas que se estabeleceu nas imediações do estádio, já durante o transcorrer da partida, foi possível escutar-se através das rádios locais, um dirigente do Grêmio manifestar-se no sentido de que "cabia ao torcedor se organizar na entrada dos portões, formando filas que gradativamente permitissem o acesso ao interior do estádio".

    O ra, isso não é e nem poderia ser tarefa atribuída ao torcedor, mais sim, ao clube detentor do mando de campo, responsável direto pela organização do evento: o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

    N o entanto, em comunicado oficial, publicado em seu saite no dia 05 de julho, o clube limitou-se a informar que "em conformidade com o Estatuto do Torcedor vigente, a segurança do evento esportivo fica a cargo do poder público", sendo esta exercida com plena autonomia, razão pela qual, os portões teriam sido fechados por decisão da Brigada Militar, não possuindo o Grêmio qualquer ingerência sobre as decisões tomadas pela corporação.

    E ntretanto, não é exatamente isso que determina a legislação vigente sobre o assunto. Ao adquirir o ingresso para assistir a partida, o espectador está protegido não somente pelo Estatuto do Torcedor (Lei nº. 10.671 /2003), mas também pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078 /1990), conforme estabelece o art. 40 , da já referida Lei nº 10.671 /03, que equipara e insere o freqüentador de estádios sob mesma disciplina e proteção prevista no CDC , tratando inclusive os clubes como fornecedores de serviços, nos termos do art. do estatuto consumeirista.

    A ssim, no momento que o torcedor, munido de ingresso, ou ainda, o associado, não consegue acesso ao estádio, o serviço prestado pela entidade clubísitca demonstra-se defeituoso quanto a sua finalidade (Art. 14º , § 1º do CDC). A situação torna-se ainda mais grave se, no momento de tentar ingressar no estádio, restou constatado que o torcedor foi submetido a situações de violência, constrangimento e humilhação, sobretudo se tal conduta chegou a colocar em risco a sua vida, saúde e/ou integridade física (Art. , § 1º do CDC).

    N este ponto, em suas disposições, é expresso o art. 13 da Lei 10.671 /03 ao estabelecer que o torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.

    É verdade que muito há de se discutir se, no caso em tela, a responsabilidade seria do clube ou do agente de segurança pública, que igualmente dividia a tarefa de monitorar a entrada e garantir a segurança dos torcedores no estádio. E isso porque, de acordo com o art. 14 do Estatuto do Torcedor a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, enquanto, logo após, o inciso I, do mesmo artigo, remete ao entendimento de que seria o agente público o responsável direto pela segurança dos torcedores dentro e fora do estádio, cabendo aos dirigentes do clube apenas e tão somente solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança.

    E ntende-se, neste caso, que o legislador pretendeu atribuir uma responsabilidade solidária entre o clube e o próprio ente público quanto às questões de segurança dos torcedores. Porém, quando estendida a análise de tal responsabilidade aos efeitos civis, a responsabilidade do clube mandante se sobrepõe, eis que ao equipará-lo a condição de prestador de serviços, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor , a ele é imposto o ônus de proporcionar ao consumidor a segurança e o resultado de seus serviços, respondendo a instituição por todos prejuízos sofridos pelo espectador, de forma objetiva, independente da existência de culpa (art. 14 , § 1º , II e art. 20 do CDC e art. 19 do Estatuto do Torcedor).

    P ortanto, mais do que interesse do Estado em fornecer um serviço adequado de proteção ao cidadão, a organização do evento como um todo compete especialmente ao clube, responsável direto pela reparação civil em caso de prejuízo ao torcedor. Neste caso, é necessária atenção especial por parte da entidade clubística, pois falhas desta monta, em razão da responsabilidade objetiva, permitem ao ofendido uma via mais curta e mais simples no momento de buscar a reparação pelos danos que sofreu, sejam eles materiais e até mesmo moralmente.

    E ntretanto, se por um lado o Estatuto do Torcedor ainda parece ser um tanto duro com os clubes, por outro lado, seis anos após a sua promulgação, algumas de suas determinações ainda hoje nos parecem inócuas e sem efeito. A exemplo disso, está o artigo 22 do referido diploma legal, ao determinar que todos os ingressos emitidos devem ser numerados (art. 22, I) e que o torcedor teria o direito a ocupar, dentro do estádio, o local correspondente ao número constante do ingresso (art. 22, II).

    S e caso assim ocorresse, os episódios presenciados no Estádio Olímpico, na quinta-feira (02), jamais teriam acontecido.

    F ato, é que tanto Grêmio quanto Internacional apresentaram deficiências no atendimento de seus torcedores na última semana. Neste ponto, cabe aos clubes projetar melhores condições de receber seus espectadores, de forma segura e adequada, em dias de grandes jogos. Neste sentido, compete ao clube disponibilizar funcionários suficientes que possam organizar a entrada, prestando informações precisas e adequadas ao consumidor que chega ao seu estádio. Em relação à organização das filas, a entrada deve fluir de forma rápida, e dentro dos limites razoáveis de espera. Aguardar por três horas em uma fila, em meio ao verdadeiro caos e falta de organização, por exemplo, representa verdadeiro descaso para com o torcedor.

    S endo assim, é imprescindível que o número de roletas eletrônicas instaladas seja compatível com a demanda de torcedores que adentram o estádio. A revista que normalmente precede o acesso a roleta, também é algo absolutamente ultrapassado e qualquer criança percebe que, além de prejudicar o acesso, ela ocorre apenas de forma superficial, em nada impedindo que mal intencionados ingressem nos estádios munidos de facas ou armas de fogo. E se este é o principal objetivo da revista, é primordial que se instalem detectores de metais em cada uma das roletas, e a partir daí, se faça uma revista direcionada, quando necessário. Desta forma, haveria contingente disponível para inspecionar de forma ostensiva o interior do estádio, onde os atos de vandalismo se concentram e o consumo entorpecentes ocorre livremente em suas dependências, muito embora para coibir tais condutas, atualmente haja inclusive a presença dos Juizados Especiais Criminais tanto no estádio do Grêmio quanto do Internacional.

    A liás, a escassez de funcionários credenciados e de policiais militares em meio ao público é outro aspecto preocupante tanto no Beira-Rio quanto Olímpico. Não raras vezes, mesmo havendo espaços vagos no estádio, é comum verificar torcedores se espremendo entre áreas de circulação, impedindo a fluência e o deslocamento daqueles que vão chegando ao local. Isso certamente desencadeia um efeito em cascata, onde a ausência de visibilidade vai obrigando que todos se coloquem a assistir o jogo de pé, muito embora a Federação Internacional de Futebol (FIFA) proíba que isso ocorra nos estádios monitorados pela entidade.

    A falta de funcionários orientadores também foi uma das notórias causas para o que aconteceu nas dependências do Estádio Olímpico na última quinta-feira (02). Na ocasião, torcedores e associados, mesmo portando ingressos, foram impedidos de ingressar em razão do fechamento dos portões, pouco antes de início da partida. Muito embora o estádio visualmente parecesse lotado, em seus ambientes internos havia espaços suficientes para abrigar os cerca de cinco mil espectadores que ficaram do lado de fora. E o controle deste tipo de situação, de organização de espaços, certamente é tarefa do departamento de administração do clube, eis que a disponibilização de orientadores no momento da partida é sua obrigação, igualmente prevista no art. 14, II, do Estatuto do Torcedor.

    P ortanto, houvesse a disponibilização de funcionários suficientes em meio às dependências do estádio, administrando os espaços e orientando os espectadores a preencher de forma adequada os locais que estavam vagos, jamais teria ocorrido o fechamento prematuro dos portões, o que culminou em tristes episódios de violência, situação de verdadeiro descaso para com o torcedor, naquilo que lhe é mais caro: a dignidade do ser humano.

    M as como nem tudo neste país funciona como determinado na legislação vigente, ficamos na torcida que, para ir ao estádio, o torcedor continue se limitando apenas e tão somente a utilizar a camisa do clube de coração, e nunca uma armadura, traje típico dos tempos medievais, a que vem retrocedendo a realidade dos estádios em tempos modernos.

    A prevenção de acontecimentos deste tipo, a lei determina; a reparação pelos seus acontecimentos é medida que se impõe. Mas a proteção real do cidadão, de seus filhos e familiares, que freqüentam estádios de futebol, essa, ao que nos parece, definitivamente está nas mãos de entes superiores. Então... que a sorte esteja ao nosso lado... e que Deus nos proteja!

    (*) E-mail: andre.rs@direito.com.br

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/quando-o-adversario-e-o-clube-de-coracao/1514347

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