Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    A má-fé de pastores religiosos é crime

    Publicado por Espaço Vital
    há 10 anos

    Por Euro Bento Maciel Filho, advogado (SP)

    As religiões são tidas como um bálsamo para suportar os percalços e as angústias da existência e, ao mesmo tempo, buscar um propósito ético-moral para a vida. Esse é o lado positivo da fé. No reverso da moeda, ao longo da história as diversas religiões travaram combates ferozes para conquistar poder e glória, além dos corações e mentes dos fiéis.

    Em várias sociedades, a religião chegou a ser mais importante do que o próprio Estado, até mesmo se confundindo com ele. O resultado foram numerosas perseguições, massacres e guerras sangrentas sob o pretexto da fé. Mesmo hoje, com todo o avanço civilizatório que experimentamos no mundo, ainda existem milhares de fanáticos de todos os credos dispostos a enquadrar ou, de preferência, a eliminar os infiéis.

    Um personagem é e sempre foi essencial à expansão das religiões, sobretudo do cristianismo: o pregador. Desde os primórdios, é ele quem traduz a mensagem muitas vezes cifrada dos textos religiosos para grandes multidões, buscando convertê-las à sua fé. Quando têm êxito e suas igrejas florescem, alguns desses pregadores se aproveitam para acumular privilégios e riquezas. Mas não poucos deles dão exemplos de abnegação e pobreza. O que caracteriza uns e outros, entretanto, é o seu carisma, a sua capacidade de eletrizar as grandes massas.

    Esse carisma dos pregadores é uma qualidade de liderança, mas também pode representar um risco à sociedade democrática. Temos vários exemplos de manipulação das massas por pregadores inescrupulosos ou simplesmente ensandecidos, cujos resultados foram trágicos, como os suicídios coletivos de comunidades religiosas na Guiana, em 1978, e nos EUA, em 1993, ou os ataques terroristas com motivação confessional em várias partes do mundo.

    No Brasil, o Direito Penal não tolera um crime cometido por algum suposto motivo religioso. O Estado deve reprimir o crime praticado nessas circunstâncias da mesma forma e com o mesmo rigor com que reprime o delito cometido em circunstâncias normais.

    Ora, o Brasil é, por definição constitucional, um país laico, onde vigora a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a sua liturgias. Talvez por esse motivo, salvo um ou outro 'serial killer' que, de tempos em tempos, justifica seus atos por desígnios divinos, não costumamos ter muitos problemas com crimes cometidos por motivos religiosos.

    Mas recentemente a imprensa noticiou que uma determinada igreja evangélica, a pretexto de angariar fundos para a compra de um canal de televisão, teria proposto aos seus fiéis, por intermédio de uma carta, que, durante os cultos religiosos, "se passassem por enfermos curados, ex-drogados e aleijados para assim conseguir convencer mais pessoas a contribuírem financeiramente".

    Tal fato, obviamente, não pode ser aceito. Afinal, por mais que as tais contribuições financeiras àquela igreja sejam, na maioria das vezes, feitas mediante pequenas doações, é inegável que o conteúdo econômico amealhado com tal prática é extremamente alto, máxime se considerarmos que a igreja em questão possui inúmeros templos em diversos Estados.

    Pois bem, analisando tal comportamento sob o aspecto eminentemente penal, de forma fria e sem qualquer preocupação religiosa, tal fato, se confirmado, pode, efetivamente, ser definido como um crime previsto em nossa legislação. Sob um olhar inicial, partindo do princípio de que o teatro promovido pelos tais falsos enfermos curados, ex-drogados e aleijados serviria como meio para incrementar as doações, fica fácil perceber que tudo não passaria de uma grande fraude.

    Diante de tal hipótese, é muito provável que o leigo, ao menos num primeiro momento, definisse aquela conduta como crime de estelionato, cuja pena de prisão pode variar de um a cinco anos de reclusão, além da pena de multa (artigo 171, caput, do Código Penal). Ledo engano.

    O estelionato tem uma característica essencial que o afasta daquela situação fática, qual seja, para que aquele crime se concretize, é preciso que a vítima seja pessoa certa e determinada, vale dizer, pessoa ao menos identificável. Trata-se, o estelionato, de crime contra o patrimônio de pessoa (s) certa (s) e determinada (s).

    Nesse caso, é evidente que o número de vítimas daquele engodo, verdadeiro teatro, seria extremamente alto, tornando praticamente impossível identificá-las uma a uma. Sendo assim, tal fato, caso a sua prática venha a ser comprovada, não pode ser resolvido pela figura do estelionato.

    Como o número de vítimas seria indeterminado, a fraude eventualmente perpetrada por pastores e pelos tais falsos enfermos curados, ex-drogados e aleijados, cujo fim, na realidade, é o de retirar dinheiro do povo, poderá ser definida como crime previsto na Lei nº 1521/1951 (crimes contra a economia popular). A pena prevista é de seis meses a dois anos e multa.

    Como se vê, as penas se comparadas com aquelas do estelionato, são qualitativa e quantitativamente menores. Porém, por uma questão de tipicidade, a aplicação do estelionato, como dito, não é a mais adequada.

    É bom que se diga que não apenas os pastores, mas também os falsos enfermos curados, ex-drogados e aleijados e todos os demais envolvidos (ou seja, todos aqueles que têm ciência da fraude) poderão ser responsabilizados criminalmente, nos termos do artigo , inc. IX, da Lei 1521/51.

    Mas, há mais!

    Além do crime contra a economia popular, os agentes também poderão ser responsabilizados pelo crime de associação criminosa (art. 288, caput, do Código Penal), que substituiu o antigo delito de quadrilha, cuja pena privativa de liberdade pode variar entre 1 a 3 anos de reclusão.

    Como se vê, embora muitos tenham a igreja ou a religião como puro negócio, fato é que o abuso da crença alheia, mediante fraudes e simulações, configura crime e pode, de fato, sujeitar seus autores à pena de prisão.

    ---------

    eurofilho@eurofilho.adv.br

    • Publicações23538
    • Seguidores514
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações7050
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-ma-fe-de-pastores-religiosos-e-crime/112095228

    Informações relacionadas

    Giovanna Araújo, Advogado
    Artigoshá 2 anos

    Crimes contra a dignidade sexual praticados por líderes religiosos: um breve estudo sobre o abuso de confiança no ambiente religioso

    Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
    Artigoshá 9 anos

    Estelionato religioso?

    Tribunal de Justiça de São Paulo
    Jurisprudênciahá 2 anos

    Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Criminal: APR XXXXX-86.2018.8.26.0451 SP XXXXX-86.2018.8.26.0451

    Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
    Jurisprudênciahá 13 anos

    Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS - Apelação Cível: AC XXXXX RS

    Notíciashá 8 anos

    “Templos religiosos são o melhor lugar para se lavar dinheiro no Brasil”

    3 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

    Mas pq então nada é feito contra este absurdo? qual o tipo da ação para estes crimes? incondicionada né? continuar lendo

    E para ser exato, todos sabemos de fato que isso é a mais pura realidade e nada é feito, e deixando estas infrações pelas igrejas acontecerem, vamos chegar a guerras religiosas.
    Assim como vai se acontecer guerras politicas, como aconteceu na ditadura, onde muitos foram mortos para "calar a boca" dos inocentes que estava querendo um pais melhor e sem corrupção. continuar lendo

    Por ser Advogado o Sr está generalizando, além do mais parece no mínimo um hipócrita que esquece dos crimes do Espírita João de Deus, e de centenas de Padres, Bispos e cardeais. Menos Dr, menos continuar lendo