Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Ações de despejo e a teoria do adimplemento substancial

    Publicado por Espaço Vital
    há 11 anos

    Por Francisco dos Santos Dias Bloch,

    advogado (OAB-SP nº 196.787)

    A Lei nº 8.245/91, também conhecida como a Lei de Locações, permite ao locatário extinguir a ação de despejo por falta de pagamento, depositando em juízo as quantias em aberto no prazo da defesa (trata-se da purga da mora). Ocorre que a própria lei estabelece de maneira expressa, em seu artigo 62, que isto só pode ser feito a cada 24 meses.

    Ou seja, nos termos da Lei de Locações, o locatário pode purgar a mora, e extinguir a ação de despejo por falta de pagamento, apenas uma vez a cada dois anos. Antes disso, qualquer inadimplemento, por menor que seja, permite ao locador rescindir o contrato e despejar seu inquilino, sem que este último tenha a possibilidade de pagar em juízo.

    Da mesma forma, é comum que, em ações de despejo, locador e locatário façam acordos para pagamento de eventual saldo em aberto, ficando estabelecido que o inadimplemento do inquilino resultará na imediata expedição de mandado de despejo, sem a possibilidade de purgação da mora. Esta espécie de acordo, homologada judicialmente, pode ser cumprida de forma imediata, bastando que o locador informe o inadimplemento em juízo: o inquilino fica sem qualquer chance de defesa.

    Em ambas as situações, entretanto, é importante considerar que a Lei de Locações não existe em um vazio, e deve ser interpretada em conjunto com os princípios legais que regulamentam os contratos de maneira geral, especialmente os princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva (artigos 421 e 422 do Código Civil).

    Os contratos de locação possuem valor social e devem ser preservados, tendo em vista o direito à moradia, no caso das locações residenciais, e a preservação do fundo de comércio, no caso das locações comerciais tudo nos termos da Lei de Locações. E no caso específico das ações de despejo, o remédio que a Lei nº 8.245/91 oferece aos locatários é a purgação da mora, que permite o pagamento em juízo das obrigações em aberto, extinguindo o processo de despejo.

    Disto se conclui que as possibilidades de purgação da mora devem ser interpretadas da maneira mais ampla possível. É neste contexto que se deve considerar a teoria do adimplemento substancial, já bem fixada na doutrina e na jurisprudência. Esta teoria estabelece que, em um contrato de prestações continuadas, como é o caso do contrato de locação, o inadimplemento deve ser significativo, considerando o valor total da obrigação, para que seja possível a rescisão do acordo.

    Havendo o inadimplemento não significativo, cabe ao credor apenas cobrar (executar) as quantias em aberto, e não rescindir o acordo. Veja-se neste sentido o conceito apresentado por Clóvis Couto e Silva para o adimplemento substancial: "constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)".

    Esta teoria tem encontrado respaldo nos tribunais brasileiros, especialmente em ações de rescisão contratual movidas por construtoras e incorporadoras imobiliárias: nestas situações, o Poder Judiciário tem entendido que, se houve o pagamento da maior parte do valor estabelecido no acordo, não é razoável que o contrato seja rescindido, e cabe ao vendedor apenas cobrar as parcelas em aberto. São neste sentido as seguintes decisões, ambas do STJ: REsps nºs 1.200.105 e 1.215.289.

    No caso específico das ações de despejo por falta de pagamento, a teoria do adimplemento substancial possui aplicação prática importantíssima no que diz respeito à purgação da mora, em caso de inadimplemento pelo locatário.

    É possível utilizar a teoria acima para, por exemplo, justificar a purgação da mora antes de decorrido o período de 24 meses desde a última purgação, previsto em lei, quando o valor em aberto for relativamente pequeno.

    Da mesma maneira, a teoria do adimplemento substancial, combinada com o princípio da função social dos contratos, pode permitir a purgação da mora em caso de descumprimento de acordos judiciais.

    Diante do quadro acima exposto, conclui-se que as normas sobre purgação da mora, em ações de despejo por falta de pagamento, devem ser interpretadas de maneira ampla, considerando a teoria do inadimplemento substancial. O contrato de locação deve ser preservado sempre que possível, por meio do instituto da emenda da mora.

    Resumindo, não é razoável negar ao locatário a possibilidade de pagar os valores em aberto, preservando seu contrato, quando o inadimplemento em si não é significativo, considerando os valores envolvidos na locação.

    francisco@cerveiraadvogados.com.br

    • Publicações23538
    • Seguidores514
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1860
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/acoes-de-despejo-e-a-teoria-do-adimplemento-substancial/100480046

    Informações relacionadas

    Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
    Notíciashá 16 anos

    O que é venire contra factum proprium?

    Superior Tribunal de Justiça
    Notíciashá 12 anos

    Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor

    Tribunal de Justiça de Alagoas
    Jurisprudênciahá 9 meses

    Tribunal de Justiça de Alagoas TJ-AL - Apelação Cível: AC XXXXX-62.2014.8.02.0001 Maceió

    Lígia Melazzo, Advogado
    Modeloshá 3 anos

    Modelo: Apelação c/c pedido de efeito suspensivo

    Flávia Ortega Kluska, Advogado
    Modeloshá 7 anos

    [Modelo] Recurso de Apelação conforme o NCPC

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)