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19 de Abril de 2024
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    Corte Europeia diz que advogado deve delatar o seu cliente

    Publicado por Espaço Vital
    há 11 anos

    Por Luiz Flávio Gomes,

    jurista e professor, fundador da Rede de Ensino LFG

    1. Três sistemas sobre o assunto

    Roberto Durrieu (El lavado de dinero em la Argentina, 2006, p. 82) explica que existem três sistemas sobre a matéria:

    (a) o mais amplo (mais garantista do segredo), que considera o segredo profissional como regra quase absoluta, ressalvando-se (1) a liberação pelo próprio cliente; (2) a defesa do próprio advogado e (3) quando o advogado participa do crime;

    (b) o intermediário, que só admite o segredo profissional quando o advogado (1) está assessorando o cliente em relação a alguma questão legal e (2) quando atua em algum procedimento judicial, administrativo ou de arbitragem ou de mediação e

    (c) o mais restrito (menos garantista do segredo), que só admite o segredo profissional quando o advogado atua em algum processo.

    Se o advogado atua como defensor do cliente, não importa qual seja o procedimento (penal, administrativo etc.), existe consenso sobre a preservação do sigilo profissional. Seria um absurdo, nesse caso, exigir do advogado qualquer tipo de quebra do sigilo profissional.

    Se está prestando algum tipo de assessoria jurídica, extrajudicial, da mesma forma (o sigilo deve ser preservado).

    Discussão existe quando o advogado assessora ou presta auxílio a alguém numa transação comercial ou imobiliária ou financeira etc. Nesse caso, deve ou não preponderar o sigilo profissional?

    Por força da Lei 12.683/2012, precisamente nesta terceira situação (art. 9º, inc. XIV), não deveria preponderar o sigilo profissional, sim, o dever de informar a operação suspeita.

    2. Direito comparado

    Roberto Durrieu (El lavado de dinero em la Argentina, 2006, p. 83) nos traz o seguinte quadro do direito comparado (vigente em 2006): Canadá: a quebra do sigilo profissional do advogado foi julgada inconstitucional; México: estava tentando prever a quebra do sigilo profissional do advogado; EUA: não admitiam essa quebra (até o ano de 2006); Inglaterra: não prevê essa quebra; Chile: o advogado deve informar, salvo quando presente o segredo profissional (a situação jurídica no Chile continua nebulosa); Colômbia: não prevê a quebra do sigilo profissional do advogado; Uruguai: não contempla essa quebra; Áustria: prepondera o dever de informar a operação suspeita relacionada com o terrorismo; Bélgica: prevê a obrigação de informar quando o advogado atua em transações comerciais, bancárias, financeiras, imobiliárias etc. (não porém quando atua em defesa do cliente); Dinamarca: idem (não valendo a quebra quando o advogado atua na defesa do cliente); França: seu sistema não é diferente da Bélgica; Espanha: não prevê a quebra do segredo profissional.

    Como se vê, não existe notícia sobre a admissibilidade da quebra do sigilo profissional do advogado quando ele atua na defesa de alguma pessoa (pouco importando a natureza do processo ou do procedimento) ou quando funciona como assistente jurídico (para a definição de uma situação legal).

    No que diz respeito à sua função de assistente numa transação comercial, financeira, bancária, imobiliária etc. existe divergência. A inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal nas duas primeiras situações parece mais do que evidente. Polêmica pode ser levantada em relação à terceira hipótese. Porém, de acordo com nossa opinião, também nessa situação deve preponderar o sigilo profissional, em razão do princípio da proporcionalidade.

    3. Posição da Corte Europeia de Direitos Humanos

    Consoante informação de Aline Pinheiro (Conjur, 06.12.12) A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o sigilo nas comunicações entre advogado e cliente não é absoluto e pode ser afastado em alguns casos. Os juízes validaram norma da França que obriga os advogados a delatar seus clientes se suspeitarem que estes estejam envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro. A decisão foi anunciada em 6/12/12, por uma das câmaras de julgamento da corte e ainda pode ser modificada pela câmara principal de julgamentos".

    O tribunal europeu julgou uma regulamentação da Ordem dos Advogados da França que exige que os advogados colaborem no combate à lavagem de dinheiro. De acordo com a regra da entidade, os defensores devem ficar constantemente vigilantes e, diante de suspeitas do crime financeiro, devem relatar às autoridades francesas, sob pena de processo disciplinar.

    Os juízes da corte europeia consideraram que a obrigação é razoável e está de acordo com a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Eles explicaram que, embora a convenção proteja o sigilo das comunicações especialmente entre advogado e cliente, essa proteção não é absolutamente inviolável. Pode ser afastada por lei, desde que haja justificativa para isso.

    O artigo 8º da convenção estabelece: Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar econômico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

    4. Quando o advogado deve delatar na França?

    De acordo com a regulamentação, o advogado só deve delatar seu cliente quando estiver prestando auxílio profissional em operações financeiras fora dos tribunais. Para a corte europeia, a norma francesa não abala a confiança do cliente no seu advogado quando se trata de processo judicial já que, quando o defensor representa seu cliente na Justiça, fica livre da obrigação.

    5. O Advogado delata à seccional da OAB

    Os juízes europeus também consideraram que a norma impõe ao advogado o dever de comunicar suas suspeitas diretamente ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados onde é associado. Para a corte, a comunicação das suspeitas ao também colega de profissão e, portanto, submetido às mesmas regras de conduta, não viola nenhuma prerrogativa profissional. Cabe então ao presidente da seccional o papel de avaliar as informações recebidas e decidir se é o caso de comunicar às autoridades policiais sobre as suspeitas de crime financeiro.

    6. Regra da União Europeia foi seguida pela Ordem dos Advogados da França

    A norma que obriga os advogados a delatar seus clientes foi aprovada pela Ordem dos Advogados da França em 2007, como regulamentação da Diretiva da União Europeia sobre lavagem de dinheiro. A diretiva visa o combate ao crime financeiro e ao financiamento de atividades terroristas. Impõe especialmente aos bancos nos países da UE a obrigação de comunicar à Polícia suspeitas de lavagem de dinheiro, mas também trata das responsabilidades de outros que, por conta da profissão, podem se deparar com o crime financeiro.

    Como regra, a diretiva exclui os advogados da obrigação de participar do combate ao crime, mas prevê exceções. A consultoria jurídica continua a estar sujeita à obrigação de segredo profissional, salvo se o consultor jurídico participar em atividades de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, se prestar consulta jurídica para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ou se o advogado estiver ciente de que o cliente solicita os seus serviços para esses efeitos, estabelece a norma.

    7. Um advogado reclamou

    Foi o advogado Patrick Michaud, membro da seccional de Paris da Ordem dos Advogados francesa, que levou à reclamação à Corte Europeia de Direitos Humanos. Antes, ele tentou que a própria Ordem suspendesse a regulamentação. Sem sucesso, resolveu levar à discussão para o tribunal europeu.

    Michaud alega que a obrigação imposta aos advogados viola a confidencialidade garantida na comunicação com seus clientes. Ele também defende que a obrigação de delatar com base apenas em suspeitas afronta o direito à presunção de inocência e o de não se auto-incriminar. Já que, com essa obrigação em vigor, quem é acusado de lavagem de dinheiro estaria praticamente confessando o crime ao procurar um advogado.

    8. Voltando ao Brasil: nova lei de lavagem de dinheiro

    No Brasil, a obrigação de os advogados delatarem seus clientes também está sendo discutida. Em julho deste ano, foi aprovada a Lei 12.683/2012, nova lei de lavagem de dinheiro. A norma estabelece que pessoas físicas ou jurídicas que tenham conhecimento do crime financeiro em razão da sua profissão relatem as suspeitas aos órgãos competentes. A lei não trata especificamente dos advogados, mas pode ser interpretada também no sentido de obrigar os defensores a delatar clientes.

    9. ADIn da OAB no STF

    Por conta disso, em outubro de 2012, a Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao Supremo Tribunal Federal que exclua expressamente a advocacia da incidência da lei. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, a OAB alega que a norma não se aplica aos advogados em razão dos princípios constitucionais de proteção ao sigilo profissional.

    10. Nossa posição

    Concordamos com a tese de que o sigilo profissional do advogado deve prevalecer em todas as situações. No que diz respeito à defesa do réu em juízo não existe nenhuma dúvida. Aqui vale o sigilo profissional. Quando ele presta assessoria jurídica também parece não haver dúvida. Há de preponderar o sigilo.

    Dúvida existe quando ele funciona como assistente jurídico em alguma transação comercial, industrial etc. De acordo com nossa opinião, também nessa situação os valores inerentes ao sigilo profissional (preservação da intimidade, da privacidade etc.) devem sobrepujar.

    Por quê? Pela relevância deles e, sobretudo, porque conta o Estado com outros meios, distintos de uma delação do advogado, para investigar e descobrir eventual lavagem de dinheiro. A delação do advogado, nesse caso, não é o único meio probatório. Logo, se outros existem (abundantemente), não se justifica sacrificar um direito tão relevante da cidadania (direito ao sigilo). A relação custo-benefício não pode ficar desequilibrada.

    luizflaviogomes@uol.com.br

    jurista e professor, fundador da Rede de Ensino LFG luizflaviogomes@uol.com.br

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