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16 de Abril de 2024
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    O novo processo do trabalho à luz do NCPC/15

    Publicado por Espaço Vital
    há 8 anos


    Por Ricardo Souza Calcini, assessor de desembargador no TRT da 2ª Região (SP).

    Desde o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, que passou a viger a partir do dia 10 de novembro daquele ano, o legislador já se mostrava preocupado com a falta de disposições legais aptas a disciplinar todas e quaisquer relações individuais e coletivas de trabalho nela previstas.

    Tanto é verdade que, logo em seus artigos introdutórios, consagrou-se a permissão legislativa de que o “direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste” (CLT, artigo , parágrafo único). Do ponto de vista de normas direcionadas ao direito processual do trabalho – afinal, o Brasil não dispõe de um efetivo código, a exemplo do que ocorre em Portugal –, a legislação consolidada se mostra ainda mais incipiente, ao fazer expressa menção ao artigo 769, voltado à fase de conhecimento, e ao artigo 889, com aplicabilidade à fase executória.

    Assim, considerando que a própria legislação consolidada há muito já reconheceu ser imperativa a aplicação de outros institutos, especialmente no que se refere ao direito processual trabalhista – tanto que previu os citados artigos 769 e 889 –, e considerando o próprio ancilosamento de suas normas com o decurso do tempo, exigindo-se, hoje, do Estado-Juiz um processo materialmente célere, justo e efetivo (Kazuo Watanabe), fala-se, no atual cenário, em um “Novo Processo do Trabalho”, sobretudo após o recente advento do Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC/15).

    Para melhor compreensão dessa nova visão, imprescindível destacar os citados artigos 769 e 889, ambos da CLT:

    Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

    Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.”

    A partir de uma intepretação literal dos mencionados preceitos legais, infere-se que, na ausência de normas trabalhistas, e desde que haja compatibilidade principiológica, deverá ser aplicado na fase de conhecimento o direito processual comum de forma subsidiária ao processo trabalhista. Já na fase executória, será aplicada a Lei 6.830/1980 que versa sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública.

    Sucede, porém, que, conquanto parcela da doutrina sempre tenha sustentado que citados artigos celetistas representavam, em uma visão restritiva, o que passou a se denominar de “regras de contenção”, na prática, dadas as lacunas normativas existentes no texto celetário, passou-se, mais recentemente, a entendê-los como “regras de heterointegração”.

    E isso para conferir efetividade à previsão do artigo , LXXVIII, da Constituição Federal, que dispõe sobre a garantia da razoável duração do processo, a qual, na opinião de alguns, constitui técnica pós-moderna tida como direito fundamental, por meio da Emenda Constitucional 45/2004, ostentando caráter de verdadeira cláusula pétrea (CF, artigo 60, § 4º, IV).

    Note-se, a propósito, que nem se está a discutir aqui a problemática relacionada às chamadas “lacuna axiológica” (situação de injustiça) e “ontológica” (norma desatualizada, fora do atual contexto social). Nesse viés, não se nega o fato de que sempre existiram calorosos debates na doutrina e jurisprudência sobre tal temática, afinal, muitos eram aqueles que defendiam a aplicação de outros institutos ao processo trabalhista, mormente para dar concretude a princípios constitucionais como da efetividade, do acesso real e justo dos trabalhadores à Justiça do Trabalho, além do próprio caráter instrumental do processo laboral.

    Acontece que, com a vigência do NCPC/15 a partir do dia 18 de março de 2016, essa discussão tornou-se a principal controvérsia a ser dirimida pelos estudiosos do Direito do Trabalho, sobretudo por força do novo artigo 15 (não existente no CPC de 1973), que expressamente trouxe o seguinte comando legal: “Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

    Veja-se, portanto, que o Novo Código de Processo Civil não deixa dúvidas quanto à aplicação subsidiária – esta, no caso, considerada como técnica de integração, na forma dos artigos 769 e 889 da CLT – e também supletiva de suas disposições ao processo trabalhista. E ao assim dispor, a dúvida que doravante remanesce se refere, uma vez mais, à questão da compatibilidade com os preceitos celetistas, preocupação essa que sempre atormentou os operadores da Justiça Trabalhista.

    A título de nota, o saudoso jurista Valentin Carrion já alertava que “a aplicação de institutos não previstos no processo do trabalho não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias. Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete precisa fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação que sempre foram almejadas” (Comentários à consolidação das leis do trabalho. 33. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 584).

    Além do mais, o próprio TST, responsável pela uniformização da jurisprudência em âmbito nacional, sempre esteve alerta à aplicabilidade de outros institutos ao processo trabalhista, tendo inclusive, em muitas ocasiões, se mostrado contrário à própria incidência do Código de Processo Civil de 1973.

    De se mencionar, a título de exemplo, as polêmicas em torno da aplicabilidade dos artigos 475-O e 475-J do CPC/73 ao Processo do Trabalho, em destaques no “Informativo Execução TST – nº 05” (período de 9 a 29 de setembro de 2014) e no “Informativo Execução TST – nº 14” (período de 14 a 27 de abril de 2015):

    “Execução. Multa prevista no art. 475-J do CPC. Aplicação ao processo do trabalho. Impossibilidade.

    Não se aplica a multa prevista no art. 475-J do CPC ao processo do trabalho, pois, no que diz respeito à execução trabalhista, não há omissão na CLT a autorizar a incidência subsidiária da norma processual civil. Ainda que assim não fosse, eventual lacuna seria preenchida pela aplicação da Lei nº 6.830/80, a qual tem prevalência sobre as regras do CPC, em sede de execução, conforme determinado no art. 889 da CLT. Com esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos da reclamada, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu-lhes provimento para afastar a aplicação da multa do art. 475-J do CPC. TST-E-RR-92900-15.2005.5.01.0053, SBDI-I, rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, 11.9.2014.”

    Execução provisória. Inaplicabilidade do art. 475-O do CPC. Incompatibilidade do levantamento do depósito recursal com o Processo do Trabalho. Existência de norma específica. Art. 899, § 1º, da CLT.

    A execução provisória de sentença trabalhista somente é permitida até a penhora, conforme o art. 899, § 1º, da CLT, de modo que a autorização judicial para o levantamento dos valores depositados, nos termos do art. 475-O do CPC, é incompatível com o Processo do Trabalho. Havendo regramento específico, a aplicação subsidiária da norma de processo civil não é admitida. Com esse entendimento, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, deu-lhe provimento para conceder a segurança pleiteada e determinar que a execução provisória seja processada nos moldes do art. 899 da CLT. TST-RO-7284-66.2013.5.15.0000, SBDI-II, rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, 14.4.2015.”

    No entanto, o colendoTST, em recente Resolução de nº 203, datada de 15 de março de 2016, editou a Instrução Normativa de nº 39, que passou a dispor, ainda que de forma não exaustiva, sobre as normas do NCPC/15 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho.

    Segundo as conclusões que podem ser extraídas da referida regulamentação, é certo que as normas dos artigos 769 e 889 da CLT não foram revogadas pelo artigo 15 do NCPC/15, em face do que estatui o artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Isso afasta também eventual alegação de revogação tácita com fundamento no critério cronológico de solução de antinomias aparentes.

    Isso porque, muito embora o NCPC/15 tenha revogado expressamente o CPC/73, o novo Código não revogou nem modificou a CLT, sendo a legislação consolidada, neste ponto, norma especial que prevalece sobre norma geral, consoante o critério da especialidade adotado para a solução de conflitos das normas jurídicas no tempo.

    Além do mais, o TST entendeu haver plena compatibilidade das normas em apreço, tanto que por força do disposto no art. 1.046, § 2º, do NCPC/15, sustenta-se a preservação das “disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis”, dentre as quais sobressaem as normas especiais que disciplinam o Direito Processual do Trabalho. Trata-se, no caso, da adoção de uma visão evolutiva, sistemática ou ampliativa do processo trabalhista, o que para parcela da doutrina privilegia a “teoria do diálogo das fontes”.

    De outro norte, é bem verdade que a IN 39/2016 procurou identificar, neste primeiro momento, apenas as questões mais polêmicas já enfrentadas pela doutrina e jurisprudência, além de outras consideradas inovadoras e relevantes para efeito de se perquirir a respeito da compatibilidade ou não da aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Civil de 2015 ao Processo do Trabalho.

    Todavia, já existem críticas à própria constitucionalidade da IN 39/2016, a exemplo daquelas exaradas pelo professor Carlos Henrique Bezerra Leite. Segundo o emérito jurista, teria ocorrido, dentre outras questões:

    (i) a violação aos princípios da separação dos poderes, da inércia da jurisdição e do juiz natural (usurpação da competência do juiz natural);

    (ii) (ii) o desrespeito à própria competência da União para legislar sobre direito processual (CF, artigo 22, I); e

    (iii) (iii) a concessão de poder não atribuído constitucionalmente ao C. TST, que não detém a legitimidade para editar instrução normativa para aprovar norma abstrata e genérica (CF, art. 111-A, § 1º).

    Pensamento em sentido oposto, que parece caminhar melhor, sustenta que a edição da regulamentação pelo C. TST se mostrou necessária. E isso, em verdade, para se transmitir um mínimo de segurança jurídica aos jurisdicionados, com a adoção de orientação a ser seguida pelos demais órgãos da Justiça do Trabalho.

    Note-se que, até pelo propósito de tutelar créditos de natureza eminentemente alimentar, caso não fossem adotadas urgentes medidas pela mais alta Corte Trabalhista, fatalmente os processos incorreriam em futuras nulidades processuais, o que desprestigiaria a desejável celeridade processual afeta a este ramo juslaboralista.

    De resto, muitas foram as novidades não aplicadas ao Processo do Trabalho, a exemplo do que ocorre com a adoção da modificação da competência territorial e eleição de foro, do negócio processual, da contagem de prazos em dias úteis, da audiência de conciliação e mediação, da distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes e da prescrição intercorrente.

    Em sentido contrário, a IN 39/2016 passa a admitir no processo trabalhista novidades como o “amicus curiae”, a distribuição dinâmica do ônus da prova, o incidente de assunção de competência, o incidente de resolução de demandas repetitivas, a reclamação, a aplicação do princípio do contraditório substancial e da vedação à decisão surpresa, além do dever de fundamentação das decisões judiciais, esses dois últimos com mitigações e adaptações trazidas na referida regulamentação.

    Em conclusão, ficará a cargo do próprio C. TST, responsável pela uniformização da jurisprudência, colmatar as inúmeras lacunas deixadas pela IN 39/2016, com o propósito de conferir maior racionalidade ao sistema e, concomitantemente, velar pelo respeito ao devido processo legal em sua acepção substancial.

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    ricardo.calcini@trtsp.jus.br


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