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28 de Abril de 2024
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    Casamento homoafetivo

    Publicado por Espaço Vital
    há 12 anos

    Por Mônica Sifuentes,

    desembargadora do TRF da 1ª Região

    Todo casamento é um encontro dramático entre a natureza e a cultura, entre a aliança e o parentesco, dizia o famoso antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. A análise, feita na metade do século passado, permanece atual: o encontro dramático está refletido na polêmica instalada nos tribunais pátrios acerca da união e do casamento homoafetivo.

    Recentemente, o STJ proferiu um julgamento histórico e complexo: reconheceu a possibilidade de casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Duas mulheres do Rio Grande do Sul, que viviam em união estável, tiveram o pedido de habilitação para o casamento civil negado em primeira e segunda instâncias pela justiça local. O STJ reformou a decisão, assegurando-lhes o direito de tranformar a sua união em casamento. O julgamento, que não foi unânime, espelha a divergência instalada no seio da sociedade brasileira.

    Parece fora de dúvida que os princípios abrigados na Constituição amparam a união homoafetiva. A nova concepção de família, segundo renomados civilistas, vem alicerçada nos princípios da liberdade e da dignidade, levando o seu foco para a realização pessoal dos indivíduos que a compõem. A ciência jurídica caminha a passos largos para o reconhecimento do direito à felicidade como direito fundamental, e nada mais justo que cada um a procure segundo os próprios sentimentos e aspirações.

    Mas há que se distinguir cada situação.

    O artigo 226 da Constituição diz que o casamento é civil e, para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. O STF, como intérprete maior da Constituição, em julgado recente afirmou que o referido artigo não poderia ser lido com tal literalidade. Considerou, assim, que a entidade familiar a que se referiu a Constituição não era apenas a formada pelo homem e pela mulher, mas também englobava as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Roma locuta, causa finita, como diriam os romanos.

    O Código Civil, a seu turno, diz no art. 1.514 que o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

    O STJ, que é o intérprete da lei federal, no julgamento sobre o casamento homoafetivo foi ainda mais longe. Entendeu que o mesmo raciocínio utilizado pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável deveria ser utilizado para convertê-la em casamento civil. Uma coisa é união estável, outra é casamento, tanto que a própria Constituição os distinguiu.

    Cumpre ao STF, e não ao STJ, decidir se a norma do Código Civil está de acordo com a Constituição. O curioso é que, independentemente da decisão judicial, militantes e especialistas afirmam que melhor seria se houvesse leis que assegurassem os direitos dos homossexuais.

    Aflora, ademais, de ambos os julgados, intrigante questão jurídica. Trata-se da legitimidade do Poder Judiciário para, a pretexto de interpretação da lei, exercer um poder de criação amplo a ponto não apenas de ultrapassar aquilo que o legislador quis dizer, mas de afirmar aquilo que ele não quis. A atividade do juiz como intérprete da Constituição ou da lei não pode significar a sua total liberdade, nem tampouco a inexistência de vínculos. Caso contrário, estaremos transformando o juiz em legislador, o que afronta o princípio da repartição de poderes.

    Cabe ao Congresso Nacional, como representante da vontade popular, a iniciativa de elaborar ou alterar, tanto a Constituição quanto a lei. A competência para dizer, claramente, que o casamento homoafetivo é ou não o que a sociedade brasileira deseja. Escolha que lhe cabe fazer, no regime democrático, por meio dos seus representantes.

    ascom.trf1@trf1.jus.br

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