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24 de Abril de 2024
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    O caso Edmundo: Justiça de mal com a prescrição

    Publicado por Espaço Vital
    há 13 anos

    Por Marcelo R. Ribeiro,

    procurador de Justiça

    O jogador de futebol Edmundo Alves de Souza Neto, vulgo Animal, foi processado, porque, no dia 02/12/1995, no Rio de Janeiro, na direção de seu automóvel, culposamente, matou três pessoas e feriu outras três.

    Em 05/03/1999, foi condenado como incurso, três vezes, no art. 121, § 3º, e 121, § 6º, c/c art. 70, primeira parte, todos do CP, sendo-lhe imposta a pena de três anos de detenção, a qual foi aumentada da metade, por força do reconhecimento do concurso formal perfeito de crimes, restando definitivizada em quatro anos e seis meses de detenção.

    A 6ª Câmara Criminal do TJ-RJ, julgando recurso de apelação do jogador em 05/10/1999, confirmou a decisão acima referida. Edmundo interpôs recurso especial para o STJ, e recurso extraordinário para o STF, os quais não foram admitidos. Destas decisões, o jogador interpôs agravos, pedindo a subida dos recursos inadmitidos aos tribunais superiores.

    O STJ deu provimento ao agravo e, posteriormente, não conheceu do recurso especial. O STF ainda não julgou o agravo. Em razão disso, a sentença condenatória não transitou em julgado. Ignorando isso, o juiz da Vara de Execuções Criminais do Rio de Janeiro, Dr. Carlos Eduardo Figueiredo, ordenou, recentemente, a prisão do jogador, para que iniciasse a cumprir a pena contra ele aplicada. Apreciando habeas corpus impetrado por Edmundo, a des. Rosita Maria Oliveira Neto, da 6ª Câmara Criminal do TJ-RJ, concedeu liminar, determinando sua libertação, posto que a decisão condenatória não transitou em julgado ainda.

    Diante disso, surge uma indagação: a punibilidade dos crimes pelos quais o jogador foi condenado está extinta pela prescrição? Levando em conta esses dados que me foram fornecidos pela justiça criminal carioca, porque não li o processo e a sentença, sem dúvida alguma que sim.

    Ocorreu, no meu sentir, a prescrição da pretensão punitiva intercorrente. Esta modalidade prescricional ocorre a partir da data de publicação da sentença condenatória, que é a última interrupção do prazo da prescrição da pretensão punitiva prevista em lei (art. 117, inciso, IV, do CP), e antes de transitar em julgado a sentença condenatória. O prazo prescricional é regulado pela pena imposta nessa decisão, desconsiderando-se o acréscimo decorrente do concurso formal perfeito, por força do disposto no art. 119 do CP.

    O desprezo da parcela pertinente ao concurso formal próprio, outrossim, decorre da Súmula n. 497 do STF. Esta súmula faz referência ao crime continuado somente.

    No entanto, segundo orientação jurisprudencial dominante, deve ela ser aplicada no caso de reconhecimento de concurso formal próprio ou perfeito, porque este e o crime continuado, adotam o sistema chamado exasperação de aplicação da pena. Assim, não seria justo desconsiderar o acréscimo em um e considerá-lo em outro.

    Se a parcela de acréscimo decorrente do concurso formal perfeito e do crime continuado (espécies mais favoráveis de concurso de crimes) fossem consideradas, teríamos um tratamento absurdo e injusto, comparando-se a situação com o que ocorre no concurso real de crimes (espécie mais rigorosa de concurso de crimes). Destarte, como, na sentença condenatória do jogador, a ele foi aplicada pena de detenção de três anos, a qual foi, por força do concurso formal perfeito admitido pelo julgador, exasperada de um ano e seis meses de detenção, para o fim de obtenção do prazo da prescrição intercorrente, devemos tomar apenas três anos, caso em que, nos termos do art. 109, inciso IV, do CP, o prazo prescricional é de oito anos.

    O termo inicial desse prazo, conforme acima referido, é a data de publicação da sentença condenatória (05/03/1999). Assim, porque a partir daí o prazo prescricional não sofre mais interrupção alguma, temos que, no dia 04/03/2007, pelo escoamento do prazo de oito anos, ocorreu a extinção da punibilidade dos crimes pelos quais Edmundo foi condenado.

    Em recente manifestação divulgada pela imprensa carioca, o juiz da Vara de Execuções Criminais do Rio de Janeiro afirmou que não ocorreu prescrição, porque o prazo da prescrição da pretensão executória ocorrerá em 12 anos.

    Equivocou-se duas vezes. Primeiramente, não há de se cogitar de prescrição da pretensão executória, uma vez que a sentença condenatória não transitou em julgado ainda, o que, aliás, foi reconhecido na decisão que concedeu a liminar no habeas corpus impetrado pelo ex-jogador. Depois, o prazo da prescrição da pretensão executória, também, será de oito anos, pelas mesmas razões acima expostas. Por fim, a hipótese é de prescrição da pretensão punitiva inegavelmente.

    Diante disso, certo é que urge uma mudança na legislação penal brasileira, que acrescente: a) uma causa interruptiva da prescrição no art. 117, que preveja que o prazo prescricional será interrompido pela publicação do acórdão que julgar os recursos admitidos por lei; b) OU, o que seria mais eficiente, uma causa suspensiva do prazo prescricional no art. 116, que preveja que o prazo prescricional ficará suspenso a partir da interposição dos recursos admitidos por lei, até a publicação do acórdão que os julgar.

    Além de gozar de presunção de inocência, assegurada pela Constituição Federal, Edmundo usou dos instrumentos que a lei lhe dá para se defender.

    Queiramos ou não, a prescrição é uma opção de defesa. Crucifique-se, seria melhor e mais justo, a Justiça brasileira morosa. O Ministério Público e o TJ-RJ já deveriam ter posto fim nessa estéril discussão, deixando de cortejar a opinião pública e a imprensa, que quer faturar em cima do episódio e continuar influindo nas decisões judiciais.

    mribeiro@mp.rs.gov.br

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-caso-edmundo-justica-de-mal-com-a-prescricao/2771217

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