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19 de Abril de 2024
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    Uma aula de Direito e muita consideração com a verba advocatícia sucumbencial

    Publicado por Espaço Vital
    há 9 anos

    Por Marco Antonio Birnfeld,

    Editor do Espaço Vital

    A quizila entre advocacia e magistratura continua. De um lado, advogados postulando verbas sucumbenciais dignas. De outro, alguns juízes e desembargadores arbitrando cifras irrisórias – o que, aliás, vem informado – nesta mesma edição - numa decisão da Justiça Federal ao estabelecer cifra de R$ 1,99.

    Ao receber, na 23 ª Câmara Cível do TJRS um recurso de apelação (proc. nº 70063462279) contra sentença proferida pela juíza Maria Lucia Camerim, da 2ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a desembargadora Ana Paula Dalbosco dedicou-se a um minucioso estudo sobre o tema (impossibilidade de compensação recíproca das verbas honorárias).

    A análise transformou-se na parte nuclear de decisão que não permite – como quis a sentença - que o poderoso Banco Bradesco economize incríveis R$ 350, em função da decadência parcial do autor.

    O interessante estudo - que o Espaço Vital pública sob a forma de artigo, a fim de facilitar a compreensão por advogados, estudantes, magistrados, promotores e demais operadores jurídicos - é parte integrante de julgado monocrático assinado na terça-feira (11, Dia do Advogado) pela desembargadora Ana Paula.

    O Bradesco ainda pode interpor recurso de agravo interno para julgamento colegiado (três desembargadores).

    Lembrem-se os advogados , ao festejar a decisão, que a prolatora ocupa no TJRS vaga destinada ao quinto constitucional pela advocacia.Tomou posse em 24 de março do ano passado.

    * * * *

    Compensação da verba honorária

    Artigo de Ana Paula Dalbosco, desembargadora da 23ª Câmara Cível do TJRS

    1. Honorários advocatícios e princípio da sucumbência: escorço histórico.

    A prestação de serviços advocatícios gera o direito à percepção dos respectivos honorários. Estes se dividem em contratuais e sucumbenciais. Os primeiros, à sua vez, podem se subdividir em honorários “pro labore” (uma quantia fixa pelo trabalho realizado ou a ser prestado pelo advogado) e honorários ad exitum (de regra estabelecidos em um percentual sobre o montante de vantagens que o cliente venha a receber). E os honorários sucumbenciais são aqueles arbitrados pelo juiz do processo, em favor do advogado da parte que venceu a lide. Nada obsta que o advogado venha a receber cumulativamente essas três espécies de remuneração na mesma causa, (ou seja, os honorários pro labore, ad exitum e sucumbenciais).

    Vale lembrar que, ao tempo das Ordenações e do direito reinícola, era proibida a contratação de honorários do advogado com a parte, sob a justificativa de que representaria uma indevida “quota litis”. Essa primitiva concepção – herdada do direito romano - foi ultrapassada pela pressão dos fatos sociais e econômicos, pelo que, a estipulação dos honorários contratuais acabou sendo oficialmente admitida, no Brasil pelo Decreto n. 5.737, de 2 de Setembro de 1.874, que aprovou o “novo regimento de custas”, assim dispondo no § 1º do seu artigo 202:

    O executivo que compete aos advogados para a cobrança de seus honorários, compreende as taxas deste Regimento ou a importância certa e líquida dos seus contratos” (sic).

    No que diz com os honorários sucumbenciais, guardam estes remota similitude com os antigos emolumentos advocatícios, taxados nos velhos regimentos de custas, de vez que, recorde-se, ao tempo das Ordenações do Reino, o advogado era considerado um oficial do foro, exercendo um ministério público no conjunto dos órgãos componentes da Justiça”() sendo remunerado, reitera-se, através desses emolumentos regimentais. Essa gênese é por igual reconhecida pelo Ministro Filadelfo Azevedo, como relator do RE n. 8.884 no STF:

    (...) Aliás, convém referir, segundo acentuei em outra causa (rec. Extr. N. 8.820) que o nosso direito, como tantos outros, atribui ao vencido o pagamento de honorários despendidos pelo vencedor, como os juros de mora independentemente de qualquer apreciação subjetiva – apenas esses honorários são os tarifados regimentalmente segunda longa tradição, e que hoje aqui são, no todo ou em parte canalizados diretamente para o cofre da Ordem dos Advogados. Como essa remuneração se tornasse ridícula, os profissionais não se contentavam com a tarifa regimental e faziam contratos ou pleiteavam arbitramento – a princípio contra o próprio cliente e, depois, através deste ou diretamente contra o adversário vencido.

    Foram dominadas as resistências de algumas Cortes e, afinal, a prática avançada de outras levou a convencer o codificador processual, que pela primeira vez acolheu, em norma cogente, a solução desse suplemento de salários à custa do vencido, mas somente nos casos de dolo ou culpa” ( )

    Como acentuado no elucidativo voto acima parcialmente transcrito, antes do CPC de 1939 não existia nos tribunais brasileiros um critério uniforme no que diz com a condenação do vencido ao pagamento da honorária advocatícia. A inovação legislativa veio com os artigos 63 () e 64 () daquele código, o primeiro diploma a dispor, expressamente, sobre a condenação do vencido ao ressarcimento das custas e “dos honorários do advogado” (sic). Essa condenação se dava mais a título de uma pena para a lide temerária e a “alteração intencional da verdade dos fatos” (cf. o art. 63) ou nos casos de procedência de ação com fundamento no “dolo ou culpa contratual ou extracontratual” (sic, art. 64) do réu.

    Como se vê, os artigos 63 e 64 do CPC de 1939 versavam duas hipóteses distintas: no artigo 63, em razão de se tratar de uma pena pela lide temerária ou pela alteração da verdade dos fatos, a condenação se destinava a “reembolsar à parte vencedora as custas do processo e os honorários do advogado” (verbis). Já na do art. 64 – em que o autor se via forçado a litigar contra o réu por ter este procedido com dolo ou culpa, quer contratual quer aquiliana, (hipóteses essas, giza-se, que se constituem na fundamentação da esmagadora maioria dos litígios que desembocam no Judiciário), expressamente se dispunha que “a sentença que a julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária.”

    Observa-se, adicionalmente, que as hipóteses contempladas no art. 63 do CPC de 1939, migraram para os artigos 17 e 18 do CPC de 1973, eis que se constituíam em penas para a litigância de má-fé. E a honorária sucumbencial propriamente dita, prevista no art. 64, acabou sendo regulada pelo art. 20. E a mesma distinção que imperava no CPC de 1.939 foi guardada pelo de 1.973: os honorários da sucumbência, nos termos do art. 20 deste, pertencem ao advogado da parte vencedora; já a pena pela litigância de má-fé é paga à parte e não ao advogado, nos termos do art. 35.( )

    Foi a partir dos artigos 63 e 64 do CPC de 1939 que se formou a construção jurisprudencial sobre a incidência dos honorários da sucumbência, com caráter remuneratório, tendo como seu destinatário não a parte, mas sim o advogado desta, como se pode ver, e.g., deste elucidativo voto condutor do Ministro FILADELFO AZEVEDO, ainda no ano de 1943:

    “... Assim, nos casos em que o Código de Processo assegura o pagamento de honorários, este constituirá objeto de direito atribuído ao litigante vencedor, embora indiretamente a seu advogado, em situação análoga à da estipulação em favor de terceiro, no campo contratual. O destinatário é, evidentemente, o causídico e o cliente não pode, assim, distrair parte da cota ainda que alegue ter se comprometido a pagar menos (...) Assim, sendo o advogado o destinatário de cota atribuída a título de plenitude de reparação ou, mesmo, em certos casos, de pena, está claro que, sem estorvos por parte de seu cliente, pode providenciar para o recebimento direto, tomando as precauções necessárias e iniciando ação contra o devedor, que as desprezar ou tiver agido com malícia.”( )

    A concepção de serem os honorários de advogado fixados com a natureza de uma “pena”, acabou sendo afastada pela Lei 4.632/65, que modificou o art. 64 do Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 (o antigo CPC), instituindo o denominado “princípio da sucumbência”, passando aquele artigo a ter a seguinte redação:

    “Art. 64. A sentença final na causa condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora, observado, no que for aplicável, o disposto no art. 55.

    § 1º Os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente.

    Assim que entrou ela em vigor, de imediato os tribunais passaram a aplicá-la, eis que de lei processual se tratava. Veja-se nesse sentido, este aresto do STF, relatado pelo em. Ministro Moacyr Amaral Santos:

    “O princípio da sucumbência é de natureza processual. Assim, processual é a Lei n. 4.632/65, que o disciplina. As leis processuais se aplicam de imediato e atingem os processos em curso, no estado em que se acham. Se a sentença foi proferida, embora com atraso, já quando vigente essa lei, deveria ser aplicada, como o foi. Nisso não vejo nenhuma ofensa ao disposto nos artigos 63 e 64 do Código de Processo Civil, ou sua redação anterior, pois que, ao tempo da sentença, já deveriam ser lidos com a redação daquela lei.” (STF, 1ª. T., RE 63429/GB Rel. Min. AMARAL SANTOS, DJ de 22-08-1969).

    Porém, antes mesmo do advento da Lei 4.632/65, sustenta-se que o Estatuto da OAB, (Lei nº 4.215/63) já havia antecipado a criação do princípio da sucumbência, modificando o entendimento do CPC de 1939 de que os honorários sucumbenciais detinham o caráter de pena, para lhes dar a natureza estritamente remuneratória em favor do advogado, como se vê dos parágrafos 1º e 2º do art. 99:

    § 1º. Tratando-se de honorários fixados na condenação, tem o advogado direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório, quando este for necessário, seja expedido em seu favor.” (sic).

    § 2º. “Salvo aquiescência do advogado, o acordo feito pelo seu cliente e a parte contrária, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionais, quer os concedidos pela sentença” (verbis).

    Esses dois dispositivos sempre foram interpretados pelos tribunais com o sentido claramente neles impresso, qual o de que os honorários da sucumbência pertenciam ao advogado (e não à parte), tanto que a lei a este assegurava o “direito autônomo para executar a sentença” (verbis) ainda que o cliente, à sua revelia, compusesse a lide diretamente com a parte ex adversa.

    A matéria não comportava mais discussões. Mas uma desnecessária celeuma teve início com o advento do Código de Processo Civil de 1.973, em face da redação ambígua e retrógrada do seu artigo 21, segundo o qual, “Se cada litigante forem em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas”.

    A maioria dos Tribunais continuou entendendo que essa redação não prejudicava – antes reforçava – o disposto no art. 99 do então vigente Estatuto da OAB, de vez que a também a expressão contida no artigo 20 do CPC (“pagar ao vencedor os honorários advocatícios”) colocava como único destinatário da verba advocatícia o advogado da parte vencedora, o que impedia a compensação.

    E esse entendimento é reforçado a partir da leitura conjunta de todo o art. 20, em especial do seu parágrafo 3º, que estabelece referências para a fixação dos honorários advocatícios, levando em consideração fatores objetivos e subjetivos que dizem, todos eles, exclusivamente, com a atividade laboral do advogado, concretamente aferida no processo. Seria desarrazoado sustentar-se que o arbitramento da honorária nos moldes do referido parágrafo 3º, objetivava beneficiar a parte que contratou o advogado e não o autor do trabalho avaliado...

    Essa leitura sistemática do art. 99 da Lei 4.215/63 (então vigente) e do art. 20 (e seus parágrafos) do novel CPC de 1973, se impunha aos efeitos da compreensão da matéria como um todo. Afinal, e como ensinava o emérito Ministro Carlos Maximiliano, a técnica hermenêutica conhecida como “processo sistemático” consiste exatamente em:

    “(...) comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório, ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras (...) O processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes (...) O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui uma vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio.”

    2. Sucumbência recíproca e compensação da honorária: inviabilidade.

    A mesma exegese incidente no art. 20 teria de iluminar a leitura do art. 21 do CPC: a compensação neste prevista não poderia desmerecer o entendimento que flui do artigo que o precede, qual o de ser a titularidade da verba honorária exclusiva do advogado da parte e não desta.

    Não obstante, o artigo 21 do CPC não apenas começou a ser aplicado em concreto como motivou, aqui e acolá, o ressurgimento da tese, já vencida historicamente, de que a verba da sucumbência tinha como destinatária a parte e não seu advogado, a cavaleiro da equivocada conclusão de ter o CPC, no ponto, revogado o § 1º do art. 99 da Lei 4.215/63.

    Para corrigir esse desvio do rumo hermenêutico, quando da reedição do antigo EOAB para o novel Estatuto da Advocacia de 1.994, o Congresso Nacional neste fez constar a norma do art. 23, que com clareza inexcedível repristinou a regra do estatuto anterior, dispondo que “os honorários incluídos na condenação por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nessa parte” (verbis).

    E aqui se impõe uma rápida digressão sobre os efeitos da lei nova sobre a anterior. Nos seus clássicos comentários à Lei de Introdução ao Código Civil, o emérito Eduardo Espinola lembra que a denominada “revogação expressa” é, “(...) algumas vezes, singular, taxativa, e refere-se especialmente à disposição abolida. Noutras, porém, é geral e compreensiva, e aplica-se a todos as disposições contrárias, sem individualização” (). E logo adiante adverte que a protocolar declaração, ao final da lei, de que “se revogam as disposições em contrário (...) é perfeitamente dispensável, pois isso decorre do princípio geral da ab-rogação tácita, certo, como é, que a lei antiga cede o passo à nova em todos os pontos por essa regulados.”( )

    O Estatuto da Advocacia, no seu art. 87, juntamente com as ab-rogações específicas que ali indica, repete a fórmula praxista “revogam-se as disposições em contrário” (verbis). Além disso, há revogação tácita da lei, nos termos do parágrafo 1º do art. do DL 4.657/1942: “(...) § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. E dúvida não pode existir de que materializa o art. 21 da Lei 5.869/73 (CPC) uma “disposição em contrário” em relação à clara dicção do artigo 23 da Lei 8.906/94. A não ser que, repita-se, se possa admitir uma compensação de créditos entre aqueles que não são entre si reciprocamente credores e devedores, incoerência que implicaria singular nonsense jurídico.

    Se aceito fosse o argumento de que o art. 21 do CPC de 1973 teria revogado ou modificado parcialmente os parágrafos 1º e 2º do art. 99 do Estatuto da OAB de 1963, por essa mesma justificação ter-se-ia que concluir que o novo Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94), porque é uma lei posterior ao CPC de 1973, teria com a peremptória disposição do seu artigo 23, revogado o referido art. 21.

    Por isso que, insiste-se, não se pode admitir uma compensação que não se dê entre partes simultânea e reciprocamente credoras e devedoras uma da outra. E como as partes não são titulares da honorária da sucumbência, e sim os advogados, essa compensação seria absolutamente inviável. A não ser que se entendesse que a verba da sucumbência, pertencente aos advogados por efeito do art. 23 da Lei 8.906/94, fosse considerada, apenas para os efeitos do art. 21 do CPC, não dos patronos mas de seus constituintes, o que incidiria em imperdoável infringência à lógica jurídica.

    Em prol dessa compreensão milita até mesmo o que na hermenêutica jurídica é denominado de “elemento histórico”. Este é representado, in casu, pela já citada Lei 4.215/63 (o anterior Estatuto da OAB), que na dicção reiterada de precedentes do STF, modificou os artigos 63 e 64 do CPC de 1939, substituindo o conceito de que os honorários sucumbenciais eram uma “pena” aplicada ao vencido, pelo entendimento de que se tratavam de uma das espécies de remuneração do advogado. E no que diz com a importância do exame histórico de um instituto jurídico, aos efeitos da correta exegese da lei nova que sobre ele advier, observe-se, a propósito, a clássica lição de CARLOS MAXIMILIANO:

    “É dupla a utilidade do elemento histórico. Disposições antigas restabelecidas, consolidadas ou simplesmente aproveitadas em novo texto, conservam a exegese do original. Pouco importa que não se reproduzam as palavras: basta que fique a essência, o conteúdo, substancialmente se mantido o pensamento primitivo. Pelo espírito das alterações e reformas sofridas por um preceito em sua trajetória histórica, chega-se ao conhecimento do papel que ele é chamado a exercer na atualidade. O confronto de disposições vigentes com outras anteriores, paralelas ou análogas, não só evidencia a continuidade, embora progressiva, de ideias e teorias preexistentes, como também prova que essa perpetuação relativa é a regra: o contraste, a mudança radical, aparecem como exceções.” ( )

    Destaca-se desse escólio a observação de que as “disposições antigas restabelecidas (...) conservam a exegese do original.” É exatamente isso o que ocorreu com a titularidade da honorária sucumbencial: por ter o atual Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94) no seu artigo 23 repetido, mutatis mutandis, o art. 99 do antigo Estatuto da OAB (Lei 4.215/63), isso demanda, na sua interpretação, a mesma “exegese original”. Mais do que isso: a repetição de um mesmo dispositivo na lei nova, serve não apenas para revigorar e enfatizar o intuito do legislador, como para, peremptoriamente, acentuar a permanência do mesmo espírito que animou a criação da regra antiga.

    Também incide às completas, no caso em estudo, a observação do citado jurista, de que “o confronto de disposições vigentes com outras anteriores, paralelas ou análogas, evidencia a progressiva continuidade de ideias e teorias preexistentes, provando que essa perpetuação relativa é a regra”. Por isso é historicamente autorizada a asserção de que o Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 4.215/63), ao se antecipar à criação expressa do “princípio da sucumbência” (introduzido pela Lei 4.632/65), iluminou a exegese dos artigos 63 e 64 do CPC de 1939. Artigos estes sob cuja égide, insiste-se, o STF já entendia (como se viu do aresto relatado pelo Min. Filadelfo Azevedo em 1.943, supra) que o destinatário da verba fixada na sentença sempre foi o advogado e não a parte.

    Ou, para novamente se empregar suas palavras: “... sendo o advogado o destinatário da cota (refere-se à honorária sucumbencial) (...) está claro que, sem estorvos por parte de seu cliente, pode providenciar para o recebimento direto tomando as precauções necessárias e iniciando ação contra o devedor...” (RT 146/393).

    3. Anacronismo da tese de ser não o advogado mas seu constituinte o destinatário da honorária sucumbencial.

    Por essa razão, não convence o argumento que remete à Exposição de Motivos do CPC, para sustentar que a honorária sucumbencial se destina a indenizar a parte vencedora, das despesas que efetuou com a lide ou com seu próprio advogado. É certo que a Exposição refere que ...

    “O projeto adota o princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor” (sic), princípio que Chiovenda - ali reproduzido – assim justifica: “a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva”.

    Vale lembrar, porém, que o próprio autor do anteprojeto (e redator da Exposição de Motivos), o Min. Alfredo Buzaid, propunha esta redação para o art. 26 do seu projeto original:

    “O juiz poderá atribuir diretamente ao procurador da parte vencedora as despesas processuais que houver antecipado e os honorários em que for condenado o vencido”.

    Ou seja, não trafegava ele na contramão do que já estava definido pelo artigo 99 do Estatuto da OAB de 1.963. Ao contrário, conciliava o “princípio do sucumbimento” (sic) com a regra de que destinatário dos “honorários em que for condenado o vencido” (sic) era o “procurador da parte vencedora” (sic).

    Poder-se-ia obtemperar que o entendimento vertido no art. 26 do projeto do CPC de 73 acabou não integrando o Código. Mas isso ocorreu não porque fosse ele incompatível com o “princípio do sucumbimento”, e sim, ao contrário, porque seria supérfluo. Não haveria necessidade de se dizer, como o projeto original fazia, que o beneficiário dos honorários era o “procurador da parte vencedora” quando isso acabou sendo implícita e indiscutivelmente chancelado pelo par.3º do art. 20 do CPC, acrescentado ao código no decurso do respectivo processo legislativo, que dispôs sobre a fixação da honorária sucumbencial nos percentuais de 10% a 20% do valor da condenação, “(...)

    “(...) atendidos: a)-o grau de zelo do profissional; b)- o lugar de prestação do serviço; c)- a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço” (sic).

    As expressões acima negritadas (“do profissional”, “prestação do serviço”, “trabalho realizado pelo advogado” e o (tempo exigido para) “o seu serviço) não deixam a mínima dúvida de que o que está sendo avaliado é o trabalho do advogado. Consequentemente, nenhum espaço remanesce para justificar elucubrações que pretendam sustentar que os honorários, assim avaliados, pertenceriam à parte e não ao próprio advogado - cujo trabalho se constituiu no único vetor para aferir-se aquela fixação.

    Essa também é a conclusão de PONTES DE MIRANDA, que ao comentar o art. 20 do CPC, após demonstrar “a evolução que se operou” (sic) em relação ao tema da honorária sucumbencial (citando, na sequência, exatamente a)- o art. 64 do CPC de 1939, b)- a Lei 4.632/65 - que instituiu o “princípio da sucumbência” e c)- “ a que se inicia com o art. 20 do CPC de 1973” (sic), concluiu:

    “O juiz tem de condenar o vencido a pagar os honorários advocatícios. Se o quanto é superior ao que a parte pagou ou tem de pagar ao advogado, ou se lhe é inferior, isso de modo algum aproveita ou desaproveita ao advogado, que não é parte no processo.” ( )

    Como se vê, Pontes de Miranda enfatizou o óbvio, em razão da sua relevância: “o advogado não é parte no processo.” Daí a impositiva consequência: não pode haver compensação do que lhe pertence com o que é devido à parte vencedora.

    Giza-se ainda que, de lege ferenda, o novo CPC recém sancionado, está rigorosamente dentro da linha evolutiva acima demonstrada, ao assim regular a matéria em exame:

    Art. 87. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

    Art. 88. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.

    Art. 89. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.

    Ou seja, tudo continuará, também no novo CPC, como antes era: o novel art. 87 praticamente repete o que já dizia a Lei 4.632/65 (que deu nova redação ao art. 64 do CPC de 1939, instituindo o princípio da sucumbência): “A sentença (...) condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora”.

    E foi suprimida a incongruência jurídica do art. 21 do atual CPC, não mais se cogitando da compensação de verbas de quem parte no processo não é, dispondo o artigo 88 do novo estatuto que só as despesas (que com os honorários não se confundem) é que comportarão a distribuição proporcional.

    Essa retilínea progressão legislativa reveste a hipótese preconizada por CARLOS MAXIMILIANO: “Pelo espírito das alterações e reformas sofridas por um preceito em sua trajetória histórica, chega-se ao conhecimento do papel que ele é chamado a exercer na atualidade. (...) Eis porque, acerca de todos os ramos das ciências sociais, no passado se encontram os ensinamentos para compreender o presente e prever o futuro.”

    A melhor doutrina também assim entende, como se vê, e.g., na clássica obra de Yussef Said Cahali, “Honorários Advocatícios”

    “(...) na vigência do novo Estatuto da Ordem, ainda que promovida a execução pelo cliente, tendo por objeto a totalidade da condenação incluindo os encargos processuais, a verba concernente aos honorários de sucumbência restará incólume de qualquer compensação pretendida pelo executado, afirmando enfaticamente o art. 23 da Lei 8.906/94 que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado” por direito autônomo, sendo nula (art. 24, § 3º) qualquer cláusula contratual que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários da sucumbência. Daí decorre que o direito próprio do patrono não se sujeita, em nenhum caso, à exceção da compensação de crédito do executado oponível à parte vencedora exeqüente pois é terceiro estranho às relações obrigacionais existentes entre os demandantes.” ( )

    Por isso se pode afirmar que as teses que defendem ser destinatária da verba sucumbencial a parte vencedora ao invés do advogado desta, se revelam anacrônicas em relação à evolução histórica do tema. Além de interpretarem contra a clara dicção legal, desconsideram a ética que preside a remuneração do trabalho. Afinal, se quem trabalhou foi o advogado e se é o seu exclusivo trabalho que é avaliado aos efeitos da fixação da honorária sucumbencial, não há razão alguma que justifique atribuir-se ao seu constituinte o fruto de seu exclusivo labor. A vingar esse entendimento, ainda que sob o ponderável argumento dialético da reparação integral à parte vencedora, se entraria em rota de colisão até mesmo com a severa regra moral de Cristo, duplamente vertida nas Escrituras “Dignus est operarius mercede sua.”

    4. Corolários da natureza alimentar da verba honorária: incompensabilidade.

    Observa-se, novamente, que o Estatuto da Advocacia de 4.7.94 deixou claro – e indiscutível - nos seus artigos 22 e 23, que a verba honorária pertence ao advogado e a ninguém mais, com isso afastando a viabilidade de eventual compensação dos honorários sucumbenciais. Mesmo com o advento dessa lei repristinatória da regra já prevista na Lei 4.215/1963, o eg. Superior Tribunal de Justiça, meses depois, editou o verbete 306 da sua Súmula, dispondo que “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurando o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.

    Em face da colisão com aqueles artigos, tem se sustentado que deveria esse verbete ser lido cum granum salis no que diz com o tempo da sua incidência: aplicar-se-ia o artigo 21 do CPC apenas aos processos anteriores ao advento do Estatuto da Advocacia, ante o claro texto do art. 23 deste, impeditivo da compensação (ante a ausência dos requisitos autorizadores dessa forma de extinção das obrigações). É o que, e.g., preleciona o em. Des. Carlos Mansur Arida, no erudito artigo “Impossibilidade de Compensação dos Honorários de Sucumbência”:

    “(...) o Juiz, ao determinar a compensação dos honorários, além de negar vigência aos mencionados arts. 23 e 24, § 3º, o faz com recurso alheio, não objeto do processo, ou seja: utiliza valor monetário que pertence a terceiros – os advogados. (...) A Súmula 306 passou a incidir somente nas questões relativas a compensação de honorários de advogados suscitadas antes da Lei 8.906, com eficácia e aplicabilidade aos casos por ela abrangidos, e não para outros surgidos após a vigência da lei que passou a disciplinar a mesma matéria, com a revogação tácita das disposições em contrário (art. 87)”.

    Além desse, outro ponderável argumento se apresenta na sustentação da inviabilidade da compensação da honorários na sucumbência recíproca, qual o da natureza alimentar da verba honorária advocatícia, reconhecida tanto pelo STF como pelo STJ.

    O eg. Supremo Tribunal Federal, no RE n.º 146.318/SP, da sua 2ª Turma, definiu em 1996 o caráter alimentar da verba honorária, como se vê deste excerto do voto do em. Relator, Ministro Carlos Velloso:

    “(...) Os honorários advocatícios e periciais remuneram serviços prestados por profissionais liberais e são, por isso, equivalentes a salários. Deles depende o profissional para alimentar-se e aos seus, porque tem a mesma finalidade destes. Ora, se vencimentos e salários tem natureza alimentar, o mesmo deve ser dito em relação ao honorários.” (RE n.º 146.318/SP, 2ª Turma, Min. Carlos Velloso, DJ de 04.04.1997).

    E no RE n.º 470.407/DF, relatado pelo em. Min. Marco Aurélio, reiterou esse posicionamento:

    CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA – ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1º-A do artigo 100 da Constituição federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – NATUREZA – EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a Emenda Constitucional nº 30, de 2000. Precedentes: Recurso Extraordinário nº 146.318-0/SP, Segunda turma, relator Ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no diário da justiça de 7 de agosto de 1998.” (RE n.º 470.407/DF, 1ª Turma, Min. Marco Aurélio, DJ de 13.10.2006).

    É de crucial importância o reconhecimento por parte deste aresto, da plena vigência e aplicabilidade dos artigos 22 e 23 do Estatuto da Advocacia, expressa na própria ementa, que no ponto me permito repetir:

    “(...) Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia...”

    Essa clara e iterativa postura jurisprudencial da nossa Corte Maior, fragiliza as esparsas manifestações que têm sustentado, contra a luzente clareza do texto da lei, que a parte e não seu advogado seria a recipiendária da verba sucumbencial.

    Registra-se, também, estarem assentadas em precedentes do mesmo eg. STF, três importantes conclusões sobre as características da verba sucumbencial: a) não deter ela caráter acessório em relação ao débito principal; b) a diversidade de titulares da honorária e da condenação principal; c) a consequente viabilidade de seu pagamento autônomo. Nesse sentido colaciona-se, e.g., este aresto:

    CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO FRACIONAMENTO DE EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DE ESTADO-MEMBRO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR, A QUAL NÃO SE CONFUNDE COM O DÉBITO PRINCIPAL. AUSÊNCIA DE CARÁTER ACESSÓRIO. TITULARES DIVERSOS. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO AUTÔNOMO. REQUERIMENTO DESVINCULADO DA EXPEDIÇÃO DO OFÍCIO REQUISITÓRIO PRINCIPAL. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE EXECUÇÃO PARA FRAUDAR O PAGAMENTO POR PRECATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 100, § 8º (ORIGINARIAMENTE § 4º), DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.RE - 564.132

    No corpo do acórdão o relator, Min. Eros Grau acentuou que o “ (...) A verba honorária consubstancia direito autônomo, podendo mesmo ser executada em separado. Não se confundindo com o crédito principal que cabe à parte, o advogado tem o direito de executar seu crédito nos termos do disposto nos artigos 86 e 87 do ADCT”.

    O STJ passou a escoltar o entendimento da natureza alimentar dos honorários advocatícios, sucumbenciais ou contratuais, a partir de dois recursos especiais julgados pela sua 1ª Turma em 2007 (REsp 859.475, relatora a Min. Denise Arruda, DJ de 26.06.07 e REsp 854.535, relator o Min. José Delgado, DJ de 13.02.07). Essa postura restou sedimentada pela Corte Especial daquela Corte, nos embargos de divergência n. 724.158/PR, na sua sessão de 20.2.2008, reconhecendo a impenhorabilidade dos honorários advocatícios, nos termos do artigo 649, inciso IV, do CPC, em razão, justamente, da sua natureza alimentar. Veja-se a ementa:

    PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRÉDITOS DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. 1. Os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, tem natureza alimentar. Precedentes do STJ e de ambas as turmas do STF. Por isso mesmo, são bens insuscetíveis de medidas constritivas (penhora ou indisponibilidade) de sujeição patrimonial por dívidas do seu titular. A dúvida a respeito acabou dirimida com a nova redação art. 649, IV, do CPC (dada pela Lei n.º 11.382/2006), que considera impenhoráveis, entre outros bens, "os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. 2. Embargos de divergência a que se nega provimento.

    Mais relevante ainda, é o fato de, no ano pretérito (maio de 2014), ter a mesma Corte Especial do STJ decidido em sede de recurso repetitivo, processado sob os cânones do art. 543-C do CPC, que aos efeitos da classificação dos créditos na lei falimentar os honorários advocatícios equiparam-se aos créditos trabalhistas, o que lhes confere prioridade até mesmo sobre os créditos os tributários. Veja-se a ementa do respectivo aresto (Resp nº 1152218):

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ART. 24 DA LEI N. 8.906/1994. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITO TRABALHISTA.

    1. Para efeito do art. 543-C do Código de Processo Civil:

    1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal.

    1.2) São créditos extra concursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005. 2. Recurso especial provido.

    Permito-me reproduzir excerto do voto condutor do Em. Min. Luiz Felipe Salomão, aos efeitos de ressaltar crucial observação nele contida, a respeito dos “reflexos diretos e indiretos” (sic) que juridicamente irão decorrer do reconhecimento dessa “...natureza alimentar dos honorários de advogado” (sic):

    “(...) Por fim, realço a importância do precedente ora em debate, com o rito e efeito do recurso repetitivo (art. 543-C, CPC), pois uma vez afirmada a natureza alimentar dos honorários de advogado no âmbito do direito privado (...) seus reflexos diretos e indiretos não se esgotarão na classificação do crédito para efeito de falência ou recuperação.

    Evidentemente que o alcance do conceito - verba alimentar dos honorários, no campo cível - atinge outras esferas, tarefa de interpretação e aplicação que caberá à doutrina e jurisprudência” (verbis).

    Ao antecipar que o “alcance do conceito de verba alimentar” vai gerar outros desdobramentos jurídicos, porque “seus reflexos diretos e indiretos não se esgotarão na classificação do crédito para efeito de falência ou recuperação” (sic). o em. Min. Salomão está se referindo à força de expansão presente no próprio conceito da “verba alimentar”. E essa escorreita observação de índole hermenêutica encontra pleno respaldo na “lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes” invocada por Maximiliano:

    "Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma. Acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos: constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma em lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos autônomos deduzem-se corolários; uns e outros se condicionam e se restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos imperando em campos diversos” ( )

    Voltando à força de expansão latente no conceito de “verba alimentar” conferido aos honorários advocatícios, há que se relembrar deter ela as seguintes características: a)- é um direito personalíssimo; b)- é um direito impenhorável; c)- é um direito irrenunciável; d)- é um direito preferencial; e)- é também um direito incompensável.

    No que diz com essa última característica (a incompensabilidade), veja-se o magistério de Yussef Said Cahali, na sua clássica monografia “Dos Alimentos”:

    “Ainda em razão do caráter personalíssimo do direito de alimentos e tendo em vista que estes são concedidos para assegurar ao alimentando os meios indispensáveis à sua manutenção, afirmou-se como princípio geral, que o crédito alimentar não pode ser compensado, pretendendo-se, mesmo, que não se permite a compensação em virtude de um sentimento de humanidade e de interesse público. Nessas condições, se o devedor da pensão alimentícia se torna credor da pessoa alimentada, não pode opor-lhe, inobstante, o seu crédito, quando exigida aquela obrigação”

    Registra-se a ancianidade da regra proibitiva da compensação do crédito de natureza alimentar com outros créditos de qualquer natureza, que já no Brasil colonial se aplicava ex vi das Ordenações Filipinas:

    “Nem haverá lugar (a compensação), quando a alguma pessoa forem devidos alimentos, posto que consistam em quantidade, quer por contrato, quer por testamento, ou por outro qualquer modo, porque a dívida de alimentos é tão favorável que não sofre ser-lhe oposta compensação de outra dívida, ainda que seja de quantidade” (Liv. IV, Título. LXXVIII, “Das Compensações”).

    O Código Civil de 1916, no seu artigo 1015, II, seguiu o mesmo norte, ao estabelecer, como uma das vedações à compensação, o fato de uma das dívidas compensáveis se originar de “comodato, depósito ou alimentos”. Veja-se o escólio de Carvalho Santos sobre esse artigo onde se proibia a compensação de débito alimentar:

    “De fato, a lei traduzindo o interesse social, visa a possibilidade da conservação do indivíduo, de forma que não consente possa ser praticado ato algum que embarace essa finalidade. Não consente a penhora dos alimentos, assim como não admite a sua compensação, isto porque a prática de qualquer desses dois atos, como de muitos outros, redundaria em nulificar seus propósitos de resguardar o indivíduo das privações (...)”

    Por outras palavras: não se pode extinguir por compensação um crédito quando isso implicar no desvio da finalidade que reside na sua origem. Como ensinava Kohler: “(...) Por consequência, um crédito principal só pode ser satisfeito com um crédito de compensação, se este não tiver, em virtude de sua origem, uma determinada finalidade que isso impeça”

    E o vigente Código Civil por igual prevê superlativamente, em dois dispositivos, estar infenso à compensação o crédito alimentar:

    “Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: (...) II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;

    Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.”

    Salienta-se que a impenhorabilidade do crédito alimentar, a exemplo do que ocorre com a irrenunciabilidade, a incessibilidade e a incompensabilidade, decorre diretamente dessa natureza finalística dos alimentos, que não podem ser constritos para a quitação de dívidas do beneficiário. Daí concluir-se que a honorária advocatícia é impenhorável não apenas por uma, mas por pelo menos duas razões expressas da lei processual: por sua natureza alimentar (art. 650) e por sua natureza salarial (inc. IV do art. 649).

    Trata-se de uma verba não vinculada a qualquer outra origem que não a do próprio trabalho do profissional, pelo que só a este pode ser paga, o que afasta, em definitivo, a suplantada exegese de que pertenceria à parte vencedora, única hipótese em que, então sim, se admitiria a tese da compensação.

    Sobre o tema, e retornando à doutrina, colhe-se no magistério do já citado Yussef Said Cahali (em outra marcante monografia sua), que:

    “Os honorários da sucumbência representam, assim, graças ao espírito corporativista que terá inspirado o novel legislador, uma remuneração complementar que se concede ao advogado em função da atividade profissional desenvolvida pelo procurador no processo em que seu cliente saiu vitorioso, e de responsabilidade exclusiva do vencido; não se destinam à complementação ou reposição dos honorários advocatícios contratados, não se vinculando, de maneira alguma, a estes, que são devidos exclusivamente pelo cliente cujos interesses foram patrocinados no processo".

    Remete-se a dois precedentes jurisprudenciais do eg. Tribunal do Estado do Paraná, que cerram fileira no mesmo sentido de que, sendo a honorária verba alimentar, é impossível a compensação:

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL (...) SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPENSAÇAO. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. AFASTAMENTO (...) 1. Havendo responsabilidade de ambas as partes em decorrência da sucumbência recíproca, merece ser afastada a possibilidade de compensação dos honorários advocatícios, dada sua natureza alimentar (art. 23, EOAB c/c art. 649/CPC e art. 373, I e II, do CCv), não se aplicando o entendimento da Súmula 306/STJ, que não leva em conta esses fatores. 2. Apelação Cível à que se dá parcial provimento” (TJ/PR, Ap. Civ. 0.854.194-4, Rel. Francisco Jorge, 18.7.2012).

    Ementa - APELAÇÃO CÍVEL. (...). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. NÃO SE ADMITE O TEOR DA SÚMULA 306 DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Proc. 8490857 PR 849085-7 , Rel. Desa. Denise Antunes Julgamento: 02/02/2012 Órgão Julgador: 9ª Câmara Cível TJPR).

    5. A Súmula 306 do STJ e a Súmula Vinculante n. 47 do STF

    Como epílogo colaciono relevantíssimo fato novo surgido no cenário fático jurídico aqui examinado: no mês de maio pretérito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, se antecipando ao novo CPC, que contém artigo prevendo a natureza alimentar dos honorários, aprovou, em sessão extraordinária a Súmula Vinculante nº 47 - originária de Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 85 - que atribui a natureza de crédito alimentar aos honorários advocatícios, admitindo, na quitação deles através de precatórios, a incidência dos mesmos privilégios constitucionais conferidos àqueles créditos. Veja-se o seu texto:

    “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor, consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.

    O Conselho Federal da OAB, proponente do enunciado sumular, justificou a iniciativa para se eliminar controvérsia existente entre os Tribunais pátrios quanto à natureza alimentar dos honorários advocatícios, conferindo-se aplicação uniforme da preferência no seu adimplemento.

    E com a publicação da súmula vinculante, terá esta aplicação imediata em todas esferas administrativas e judiciais, nos termos do artigo 103-A, da Constituição Federal:

    "o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei".

    Essa súmula vinculante confere um novo e definitivo enfoque ao tema da compensação de honorários, divergente da r. orientação que emana da Súmula 306 do eg. STJ. Até a sua edição concebe-se que pairassem dúvidas ou até mesmo hesitação no reconhecimento de que o honorários de sucumbência não são compensáveis, ante o efeito orientador do referido verbete n. 306 da Súmula do STJ. Porém, agora já não se justifica qualquer comportamento titubeante: assente na súmula vinculante que os honorários advocatícios detém a característica de um crédito alimentar, e dada a prevalência dela sobre qualquer outro entendimento administrativo ou jurisprudencial, cede-lhe o passo o verbete n. 306 e o entendimento nele conferido ao artigo 21 do CPC.

    Materializa uma contradictio in terminis admitir-se que a honorária advocatícia é autônoma e detentora de natureza alimentar e, mesmo assim, permitir-se seja ela compensada, na medida em que, reitera-se, a verba alimentar não admite compensação e nem é esta possível entre créditos entre independentes e de distintas titularidades.

    Há que se frisar, como acima demonstrado, que o STJ já definitivamente assentou que, como decorrência da sua natureza alimentar, os honorários advocatícios não podem ser penhorados. Definiu, pela mesma razão, que gozam do privilégio classificatório na lei falimentar. E o eg. STF, na Súmula Vínculante n. 47, agora sedimentou o entendimento de que os honorários advocatícios sucumbenciais “consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza” (verbis).

    Se esses três efeitos jurídicos radicam numa única causa, qual a da natureza alimentar da honorária advocatícia, o princípio da coerência veta que essa mesma natureza não produza idêntico efeito no que diz com a compensação. E o princípio da coerência, que Aristóteles denominava de “princípio da não-contradição” era pelo Estagirita assim definido: “É impossível predicar e não predicar o mesmo predicado do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo.” E enfaticamente preleciona Cirne-Lima que “o primeiro princípio universalíssimo e válido para tudo sem exceção é o Princípio de Não-Contradição, se e quando corretamente formulado, isto é, formulado numa proposição normativa e expressa num dever-ser.”

    Por isso mesmo o sistema jurídico se vale de regras e equações que permitem a harmônica coexistência de seus institutos. E uma delas é a de que os conceitos e definições jurídicas já assentados uniformemente pela doutrina requerem, em nome do invocado princípio da coerência, a manutenção de um mesmo sentido, independentemente do lugar (tópica) onde estejam inseridos.

    Não se trata aqui de contraposição à tendência de fragmentação dos conceitos, que é uma realidade irrecusável. Mas sim, reitera-se, da necessidade de se preservar o conteúdo de um mesmo conceito, em nome da coesão e da coerência dos textos jurídicos. Não se pode admitir uma construção jurídica acidental ou caprichosa, constantemente mutável, através da desconsideração ou da manipulação de um mesmo conceito jurídico já fixado pela doutrina e pela jurisprudência.

    Dessa regra decorre o corolário: ao definir a súmula vinculante n. 47 do STF que a honorária advocatícia detém conteúdo alimentar, a ela se está atribuindo as mesmas características e propriedades que resultam do conceito de alimentos. Como entre estas se inclui a da inviabilidade da compensação, nos termos dos arts. 373, II e 1.707 do Código Civil e dada a prevalência da súmula vinculante sobre qualquer outro entendimento, impõe-se a conclusão de que a Súmula 306 do STJ deve a ela ceder o passo. (...) Com essa interdependência metódica, como preconiza Carlos Maximiliano, se estará preservando a harmonia do contexto jurídico, através da leitura homogênea de conceitos já definidos pela doutrina, embora fixados em lugares distintos.

    Nesses termos, reconhecendo a prevalência do conceito ínsito na Súmula Vinculante n. 47 do Supremo Tribunal Federal sobre o disposto no verbete n. 306 da Súmula do eg. Superior Tribunal de Justiça, impossível a compensação dos honorários advocatícios.


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