O revés jurídico da Lei Seca no RS
Concebida para punir com rigor os motoristas que dirigem bêbados, a Lei Seca está sofrendo um revés jurídico no Rio Grande do Sul.
Ao se recusarem a soprar o bafômetro, 94,5% dos motoristas gaúchos foram absolvidos da acusação de crime de embriaguez ao volante no primeiro ano da Lei Seca. Nos tribunais brasileiros, o entendimento é de que faltam provas materiais para a condenação.
A constatação é resultado de um levantamento feito por um advogado de Brasília nos tribunais de todos os Estados brasileiros. Entre junho de 2008 e junho deste ano, Aldo de Campos Costa, doutorando pela Universidade de Barcelona, analisou 159 acórdãos nos quais os condutores não tinham se submetido ao teste do bafômetro ou a exame de sangue para atestar a embriaguez. Desses, 34% eram gaúchos.
O levantamento do advogado não leva em conta o resultado dos processos em que o motorista embriagado soprou o bafômetro ou permitiu a coleta de sangue para exame. Trata apenas dos motoristas que se recusaram ao exame.
Sobre o tema da embriaguez ao volante, o jornal Zero Hora pública hoje (09) instigante matéria de página inteira, produzida pelo jornalista Maicon Bock. Em destaque, o advogado Aldo Costa, respondendo a uma entrevista, afirma que "se a finalidade era reprimir, o objetivo já se vê fracassado".
No país, 80% dos motoristas que se recusaram a se submeter ao bafômetro ficaram livres de punição. No Estado do RS, o percentual foi superior: dos 54 processos, 51 resultaram em absolvição em segunda instância e uma em condenação. Todas as decisões foram unânimes. Dois processos seguem tramitando.
Falando ao jornal ZH, o desembargador Março Antônio Ribeiro de Oliveira, da 1ª Câmara Criminal do TJRS, explica que a lei anterior considerava crime conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool, sem especificar quantidade. Com a nova redação dada pela Lei Seca, passou a ser crime dirigir a partir de 6 decigramas de álcool por litro de sangue no organismo:
Se a pessoa está embriagada, mas sem prova de que tenha 6 decigramas (de álcool por litro de sangue no organismo), daí ocorre a absolvição. Ela pode receber punição administrativa, ter a carteira cassada, mas o delito de dirigir embriagado não se configura - diz Oliveira.
Tal ocorre porque a legislação especifica que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. No Estado do RS, mesmo que a embriaguez tenha sido atestada por exame clínico ou pelo próprio agente de fiscalização, essas provas não estão sendo aceitas pelo Judiciário. O entendimento é de que, dessa forma, não há como comprovar o índice de alcoolemia.
O estudo do advogado brasiliense se refere apenas à infração penal. As punições administrativas, como multa e processo de suspensão do direito de dirigir, seguem sendo aplicadas pela autoridade de trânsito.
O magistrado entende que os maus motoristas deveriam estar distante das ruas, mas que a Justiça não pode deixar de aplicar a lei:
Infelizmente, às vezes, eu acho que seria o caso de condenar, mas, se não há os elementos no processo, eu não posso fazer nada.
Para o chefe da Seção de Policiamento e Fiscalização da Polícia Rodoviária Federal no Estado, inspetor Assis Fernando da Silva, a situação não afetará o trabalho da instituição: "em nenhum momento, vamos deixar de cumprir a nossa obrigação por causa de um revés jurídico" - garante.
A SITUAÇÃO NO RS
* No Estado, foram localizadas entre junho de 2008 e junho deste ano, 54 decisões da Justiça gaúcha, sobre motoristas acusados do crime de embriaguez ao volante que se negaram a soprar o bafômetro:
* Nos 54 casos que chegaram ao TJRS, houve a absolvição de 51 motoristas; um foi condenado; há duas apelações em tramitação.
* Em primeira instância, 36 motoristas haviam sido condenados, mas a situação acabou revertida em segunda instância
* Em 14 processos, a absolvição proferida em primeira instância foi mantida após recurso.
Leia a matéria na íntegra, na origem.
Leia a íntegra da entrevista: "Se a finalidade era reprimir, o objetivo já se vê fracassado".
AGU sustenta que recusar teste do bafômetro é crime
Se depender da Advocacia-Geral da União, quem se recusar a fazer o teste do bafômetro pode ser enquadrado no crime de desobediência.
Um parecer interno da AGU, distribuído ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal, pretende padronizar os procedimentos dos agentes. O parecer afirma que o direito do cidadão de não produzir prova contra si mesmo não vale no caso do bafômetro.
É com esse parecer que os agentes da Polícia Rodoviária se valerão para, na hora da blitz, prender quem se recusar a fazer o bafômetro. A pena é de detenção de 15 dias a seis meses, além de multa.
O parecer é assinado pela advogada da União Maria de Lourdes Oliveira, lotada no Ministério da Justiça e responsável pela consultoria jurídica aos órgãos do ministério.
Leia na revista Consultor Jurídico o parecer da Advocacia Geral da União
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