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25 de Abril de 2024
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    A falha na atuação do Poder Público na prestação do serviço

    Publicado por Espaço Vital
    há 15 anos

    O acórdão que relata desdobramentos de um dos mais tristes erros policiais ocorridos em todos os tempos no Rio Grande do Sul - inclusive induzindo em erro o juiz plantonista do Foro Central que, imediatamente, deferiu a prisão temporária do "suspeito", o desembargador Romeu Marques Ribeiro Filho analisa o agir dos agentes do Estado.

    "Cabia à autoridade policial promover diligências outras suficientes a embasar os pedidos de prisão, pois estes se deram unicamente calcado no reconhecimento feito por uma das vítimas através de uma foto".

    O voto ressalta que era obrigação dos agentes "diligenciar para saber o que o acusado fizera e onde estava no momento em que o estupro acontecia, como ter ouvido as pessoas que, por exemplo, prestaram depoimento em juízo informando que ele estava em casa no momento do fato".

    O julgado da 5ª Câmara Cível considerou que "o indiciamento foi prematuro, pois deveria ter sido feito com base num conjunto de elementos, não apenas no reconhecimento feito por uma das vítimas, já que ela estava, envolvida por sentimentos diversos, além de forte abalo emocional".

    LEIA A ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO

    APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. PRISÃO INDEVIDA. IDENTIFICAÇÃO ERRÔNEA QUANTO AO ACUSADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA VÍTIMA NA IDENTIFICAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DANO MORAL RECONHECIDO.

    Inépcia da inicial não reconhecida, pois a petição inicial apresenta os requisitos do artigo 282 do CPC.

    A identificação equivocada, feita pela vítima, quanto ao autor dos crimes, não a torna responsável pela prisão do acusado, na medida em que seu estado não lhe concedia condições psíquicas e emocionais de atestar com certeza a autoria dos delitos.

    Era do Estado o dever de investigar os crimes, pois detém a atividade persecutória, devendo, para tanto, realizar diligências que, em conjunto com a identificação do acusado, autorizem a conclusão sobre a autoria do crime, especialmente quando o acusado negou o cometimento dos delitos.

    O Estado responde objetivamente pelo ilícito praticado pelo agente público no exercício da função ou em razão dela. Art. 37, § 6º, da CF.

    Embora a responsabilidade do Estado seja objetiva, no tocante à atividade prestada, é necessária a comprovação do nexo causal entre o ato e o dano.

    Caso concreto em que a autoridade policial não procedeu adequadamente à identificação do autor do crime, valorando excessivamente o reconhecimento feito pela vítima do crime de roubo, que não permaneceu durante a consumação do estupro contra a outra vítima, a qual sequer reconheceu o autor como o estuprador.

    O transcurso de 127 dias do autor no Presídio Central, de modo indevido, gera o direito ao dano moral, situação que somente cessou quando o resultado do exame de DNA apontou para a inocência do autor.

    A fixação do quantum indenizatório deve sopesar critérios objetivos como a condição econômica das partes, a gravidade do dano, o grau de culpa, atendendo, especialmente, para o caráter punitivo-pedagógico inerente a indenização em tais casos, sem acarretar o enriquecimento ilícito da vítima.

    O reconhecimento da indenização somente vai ser eficaz se, além de compensar a vitima pelo prejuízo suportado, ocasionar impacto no patrimônio do agente causador do dano, capaz de evitar a reincidência do evento danoso. Desta forma, o quanto fixado na sentença se mostra adequado ao caso concreto.

    Dano moral reconhecido. Correção monetária desde o arbitramento da indenização. Juros de mora, a contar do evento danoso.

    PRELIMINAR CONTRARRECURSAL REJEITADA. APELO PROVIDO PARCIALMENTE.

    Apelação Cível - Quinta Câmara Cível

    Nº XXXX - Comarca de Porto Alegre

    L.B. - APELANTE

    L.S.J. - APELADA

    ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - APELADO

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos.

    Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar contrarrecursal e em dar parcial provimento ao apelo.

    Custas na forma da lei.

    Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Leo Lima (Presidente e Revisor) e Des. Jorge Luiz Lopes do Canto.

    Porto Alegre, 26 de agosto de 2009.

    DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO,

    Relator.

    RELATÓRIO

    Des. Romeu Marques Ribeiro Filho (RELATOR)

    Trata-se de apelação interposta por L.B. contra sentença proferida nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais que move contra ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E L.S.J., que julgou improcedente o pedido.

    Em suas razões recursais (fls. 496/506), sustenta o autor que, no dia 07.06.2006, por volta das 10:00

    horas, foi preso enquanto trabalhava como fiscal de loja, no Shopping das Fábricas, em virtude da prática de crime que não cometeu.

    Salienta que sua prisão ocorreu após ter sido reconhecido pela requerida L., através de fotografia, como o autor dos crimes de roubo, estupro e atentado violento ao pudor, cometidos por terceiro no dia 07.04.2006, por volta das 20 horas, na Avenida XXX , cometidos contra a jovem D., a qual, na data do fato, estava acompanhada da requerida acima citada.

    Relata não ter sido, em nenhum momento, reconhecido pela vítima do crime de estupro e que, diante da prisão ilegal, seu procurador requereu, nos autos da ação criminal, a realização do exame de DNA, a fim de que ele fosse comparado à amostra coletada da vítima do estupro. Aduz que o exame comprovou sua inocência, pois o resultado do exame não foi compatível com a amostra coletada da vítima, enfatizando ter ficado 127 (cento e vinte e sete dias) preso injustamente, baseado no mero reconhecimento propagado pela amiga da vítima. Pugna pela procedência do recurso, a fim de que o Estado seja condenado ao pagamento de 5000 salários mínimos, a título de indenização, bem como a requerida L. ao equivalente a 120 salários mínimos.

    Contra-arrazoado o recurso pela ré L. (fls. 509/513), ela pugna pela manutenção da sentença.

    O Estado do Rio Grande do Sul apresentou contrarrazões ao apelo (fls. 514/531), suscitando preliminar de inépcia da inicial e postulando o desprovimento do recurso.

    O Ministério Público exarou Parecer opinando pelo conhecimento e improvimento do recurso de apelação (fl. 542).

    Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

    É o relatório.

    VOTOS

    Des. Romeu Marques Ribeiro Filho (RELATOR)

    Conheço do recurso interposto pela parte autora, porquanto adequado e tempestivo. Cumpre informar que o autor litiga sob o pálio da assistência judiciária gratuita.

    O Estado suscitou preliminar de inépcia da inicial, que deve ser desacolhida, na medida em que a peça vestibular atende aos requisitos do artigo 282 do CPC.

    A falta de indicação do valor do pedido de dano material e do pedido de danos morais não gera a inépcia da peça toda, mas tão-somente do pedido de danos patrimoniais, uma vez que não cabe ao juízo quantificá-lo, até porque cabe a parte prová-los, restando mantida integralmente a sentença neste ponto.

    O autor ingressou com ação de indenização, alegando ter sido vítima de prisão indevida por cento e vinte e sete dias, em face de ter sido reconhecido como autor dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, além de crime de roubo, perpetrados contra D., em 07/04/2006.

    Cumpre salientar que, no dia do fato, a requerida L. e a colega D., haviam saído do trabalho, na empresa xx, quando foram abordadas por uma pessoa que as levou para um matagal, o qual, depois de praticar o roubo contra ambas, liberou a requerida, ficando em poder de D., contra quem praticou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor.

    Efetivamente, a requerida L., durante o inquérito policial, reconheceu o autor da ação, ora apelante, como o meliante que praticou os crimes já citados.

    As fotos apresentadas às vítimas dos crimes eram baseadas no arquivo da empresa de segurança Rudder, pois, no momento do fato, o autor dos crimes relatou ter trabalhado na sede da empresa Vonpar como segurança proveniente da Rudder.

    Embora a requerida tenha reconhecido o autor como o responsável pelo cometimento dos crimes, em nenhum momento, houve o reconhecimento pela própria vítima.

    Ademais, as características físicas apontadas pela Dinéia sempre divergiam das características do autor. Em seu depoimento na Polícia, fl. 91, a vítima D. referiu que o autor L. tinha caixa torácica e abdômen grande, é troncudo, e o estuprador era mais miúdo, inclusive, no termo de declarações inicialmente prestado na autoridade policial, fls. 28/31, ela refere que a altura dele seria de 1,60 a 1,63 cm, estatura totalmente diversa do autor, o qual possuí 1,86 de altura e 90 kg.

    Entretanto, deixo de vislumbrar qualquer responsabilidade da requerida no reconhecimento equivocado do autor como o meliante, uma vez que ela estava sob forte pressão, ainda que ela não tenha sido violentada.

    Não podemos deixar de considerar que ela igualmente foi vítima da abordagem violenta e do crime de roubo, sem contar o fato de que teve uma colega estuprada, o que gera temor, repulsa, medo, tristeza, dor e sentimentos de vingança e, sobretudo, de justiça.

    Neste sentido, transcrevo os fundamentos apresentados pelo Magistrado em sua sentença:

    (...) Por isso que a identificação criminal não engendra dever de reparação pela vítima do delito, senão quando praticada por dolo, assim compreendido o deliberado desejo de prejudicar o identificado, de imputar-lhe a prática de crime de que se sabe ser o identificado inocente (...).

    No que pertine ao Estado do Rio Grande do Sul, tenho que a responsabilidade é manifesta, porquanto não foram adotadas as medidas necessárias à apuração do fato e da autoria dos crimes.

    O inquérito policial é todo o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários, à apuração de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária[1].

    Neste sentido, cabia à autoridade policial promover diligências outras suficientes a embasar os pedidos de prisão, pois estes se deram unicamente calcado no reconhecimento feito pela requerida através de foto.

    Cabia à autoridade policial diligenciar no sentido de saber o que o autor fez e onde estava no momento em que o estupro acontecia, como ter ouvido as pessoas que, por exemplo, prestaram depoimento em juízo informando que ele estava em casa no momento do fato.

    O indiciamento do autor foi prematuro, pois deveria ter sido feito com base num conjunto de elementos, não apenas no reconhecimento feito por uma das vítimas, já que ela estava, conforme reconhecido na própria sentença, envolvida por sentimentos diversos, além de forte abalo

    emocional.

    Nesta esteira, cumpre ser frisado que o reconhecimento feito pela requerida se deu com base em

    duas manchas no rosto do autor, o que comprova como foi desprovida de certeza e credibilidade.

    Destaco, ainda, que o pedido de prisão preventiva foi feito, segundo demonstra o documento de fls. 98/99, sob o fundamento de que houve dificuldade para a localização do autor e pela ausência de comprovação de ocupação lícita.

    Entretanto, tais fundamentos se mostram desarrazoados, na medida em que ele não era localizado no endereço que a polícia procurava, porque o autor havia mudado para um local mais adequado à sua família; além disto, no momento em que foi preso, o autor estava trabalhando como fiscal de loja, no Shopping das Fábricas, e possuía carteira de trabalho assinada, portanto os elementos que ensejaram o pedido de prisão preventiva não correspondiam exatamente à sua realidade.

    O depoimento do autor perante à autoridade policial foi extremamente curto, sem elementos indicativos de sua participação no crime, o que demandaria outras provas e diligências.

    Saliento que nem mesmo foi questionado ao autor o que ele fazia, com quem estava no momento do fato, bastando mera leitura do Termo de Declarações de fl. 197, ao contrário do belo interrogatório realizado pelo Magistrado, constante das fls. 305/308.

    De outra banda, pondero que, logo que ocorreu a prisão, o procurador do autor solicitou a realização do exame de DNA, porém o laudo somente foi emitido em outubro de 2006, ensejando a concessão da liberdade provisória.

    Evidentemente que houve uma excessiva demora na realização da coleta do material e na emissão do laudo, desimportando se a causa é a burocracia estatal ou falta de pessoal, porque, no caso em exame, estamos lidando com a vida e a liberdade de uma pessoa que estava presa no Presídio Central por estupro, o que pode ocasionar conseqüências nefastas.

    Desta maneira, tenho que o Estado falhou na investigação e indiciamento precoce do autor, porém deixo de reconhecer qualquer falha judicial, na medida em que a prestação jurisdicional se deu dentro dos limites da denúncia ofertada pelo Ministério Público, tanto que, logo que recebeu o resultado do exame de DNA, determinou a liberdade provisória do réu, ora autor.

    Por fim, saliento que sobreveio sentença absolutória (fls. 430434), em que o autor, réu na ação criminal, foi absolvido por ter ficado provado que ele não concorreu para a infração penal, segundo o artigo 386, IV, do CPP.

    Os elementos probatórios, portanto, indicam a responsabilidade do Estado na prisão injusta sofrida pelo autor por cento e vinte e sete dias, respondendo o Estado objetivamente pelos danos causados por seus agentes na prestação do serviço, nos termos do artigo 37, § 6º, da CF:

    As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

    O caso em tela revela a falha na atuação do Poder Público na prestação do serviço, consistente na conduta incauta e negligente de seus prepostos, ao deixar de diligenciar adequada e suficientemente na apuração do fato antes de encaminhar o pedido de prisão, deixando de detalhar a situação, inclusive de ter providenciado a realização do exame de DNA, o qual somente veio a ser procedido após a sua prisão.

    Ademais, a vida pregressa, o histórico familiar, o emprego, o dia do crime na vida do autor deixaram de ser apurados pela autoridade policial, comprometendo a correta identificação do autor dos crimes.

    Alexandre Moraes, na obra Direito Constitucional[2], destaca que a responsabilidade objetiva do Estado pressupõe alguns requisitos, dentre eles, ocorrência do dano, ação ou omissão administrativa, existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal, pois a força maior e o caso fortuito se configuram em causas liberatórias.

    Ele cita o entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto:

    "O Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade civil do Poder Público, afirma:

    A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão.

    Essa concepção teórica que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta de serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem a) a alteridade do dano, b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503).

    Cavalieri[3] doutrina a respeito da responsabilidade da Administração Pública:

    Por todo o exposto, é de se concluir que a responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo banida da nossa ordem jurídica. A regra é a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do Estado, nessa qualidade; sempre que houver direta relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e o dano. Resta, ainda, espaço, todavia, para a responsabilidade subjetiva nos casos acima examinados- fatos de terceiros e fenômenos da Natureza-, determinando-se, então, a responsabilidade da Administração, com base na culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente. Em nada muda esta conclusão o fato de não ter sido reproduzido no Código Civil de 2002 o art. 15 do Código de 1916. A responsabilidade subjetiva é a regra básica, que persiste independentemente de existir ou não norma legal a respeito. Todos respondem subjetivamente pelos danos causados a outrem, por um imperativo ético-jurídico universal de justiça. Destarte, não havendo previsão de responsabilidade objetiva, ou não estando esta configurada, será sempre aplicável a cláusula geral da responsabilidade subjetiva se configurada a culpa, nos termos do art. 186 do CC.

    O mesmo doutrinador ainda conclui que no que respeita aos danos causados pela atividade judiciária, aqui compreendidos os casos de denegação da justiça pelo juiz, negligência no exercício da atividade, falta do serviço judiciário, desídia dos serventuários, mazelas do aparelho policial, é cabível a responsabilidade do Estado amplamente com base no art. 37, § 6º, da Constituição ou na culpa anônima (falta do serviço), pois trata-se, agora sim, de atividade administrativa realizada pelo Poder Judiciário. grifo nosso-

    Embora a pretensão do autor seja focada na responsabilidade objetiva do Estado, alegando falha na prestação do serviço, é necessário, para que seja reconhecido o dever de indenizar, a existência de nexo de causalidade entre o comportamento omissivo ou comissivo atribuído ao ente público e o dano suportado pela vitima.

    Desta maneira, a responsabilidade civil do Estado está íntima e incondicionalmente ligada a uma relação de causalidade entre a atividade do agente público, seja no exercício da função, seja atuando em razão dela, e o dano.

    Preenchidos os requisitos acima referidos, é dever do Estado indenizar o autor pelos danos suportados, os quais são inquestionáveis, sendo desnecessária a prova do efetivo dano.

    O desgaste psicológico e emocional sofrido pelo autor, sendo vítima de uma prisão injusta, retirado do seu meio social, do seu lar, de sua família e de seu trabalho, para ser colocado na masmorra do Presídio Central, dispensa a prova do prejuízo concreto, pois ela irradia do próprio fato.

    Silvio Venosa[4] destaca que o dano moral abrange também os direitos de personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc. Por essas premissas, não há que se identificar o dano moral exclusivamente com a dor física ou psíquica. Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente.

    Conforme conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira:

    A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60, 4ª edição, 1993).

    Na esteira que, em caso de prisão ilegal, há caracterização de responsabilidade civil pelos danos causados, já se manifestou esta Corte:

    APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. PRISÃO INDEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. JUROS. TERMO INICIAL. 1. DANO MORAL. O constrangimento de obrigar o autor a acompanhar os Policiais Militares à Delegacia de Polícia, em virtude de mandado de prisão revogado, denota evidente falha de serviço, restando plenamente configurada a responsabilidade objetiva do Estado do Rio Grande do Sul. 2. QUANTUM. Majoração do valor fixado para recompor os danos morais sofridos, levando em conta o caráter coercitivo e pedagógico da indenização, bem como os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. Os juros de mora incidem a partir da citação, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil. 4. VERBA HONORÁRIA. A verba honorária deve ser fixada em conformidade com o trabalho exigido e realizado pelo advogado. Mantida a verba honorária fixada na sentença em 15% sobre o valor da condenação. 5. CUSTAS. As custas judiciais são devidas pelo Estado do Rio Grande do Sul, a partir da vigência das Leis Estaduais 12.613/06 e 12.692/06, que conferiu autonomia financeira ao Poder Judiciário. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70026985101, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 07/05/2009)

    RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Prisão injusta do autor em decorrência de confusão com foragido mostrado em programa de televisão. Situação de constrangimento e vexame a que foi submetido o autor, detido para averiguação de identificação, com permanência por largo tempo nas dependências de Delegacia de Polícia. Reconhecimento da obrigatoriedade de indenizar em decorrência da existência de dano moral. Improcede pedido de denunciação da lide quando, à vista do que consta dos autos, não resta demonstrada culpa do Delegado de Polícia no procedimento adotado pelos policiais na abordagem ao autor. Ausente sistema de tarifamento, o montante compensatório é fixado pelo arbítrio do juiz, observados os balizadores indicados pela doutrina e pela jurisprudência, bem assim os precedentes que digam com circunstância de fato e de direito assemelhados. Valor atribuído em 1º Grau majorado. Deram provimento à Apelação do autor, negando ao recurso do réu. Unânime. (Apelação Cível Nº 70022225387, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 10/07/2008)

    RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL. De acordo com o § 6º do art. 37 da CF, a responsabilidade civil do estado, por ato de seus agentes, é objetiva, encontrando respaldo na teoria do risco administrativo. dever do estado de indenizar os danos causados por seus agentes, desde que comprovados e presente o nexo de causalidade. caso em que o autor, após ter sido processado e absolvido por sentença com trânsito em julgado, foi preso por policiais militares, algemado e levado à delegacia de polícia e ao presídio regional de santa maria, quando não existia mandado de prisão regular para tanto.

    Comprovada nos autos a falha estatal na baixa do mandado de prisão, que ensejou a prisão ilegal do autor, caracterizado está o dever do estado indenizar o dano moral suportado.

    APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (apelação civel Nº 70022527139, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL, relator: DES. LEO LIMA, julgado em 27.02.2008)

    RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO DO RIO GRANDE SUL. PRISÃO INDEVIDA. IDENTIFICAÇÃO EQUIVOCADA DO AUTOR DOS ATOS DELITUOSOS. ATO ILÍCITO VERIFICADO. DANO MORAL PURO. CONFIGURADO. O Estado é responsável pelos atos praticados pelos seus agentes nessa condição. No caso, restou comprovada a desídia dos agentes estatais ao não investigarem a efetiva identidade do preso, o que levou o autor a responder a processos criminais, ser condenado e, inclusive, mantido preso em decorrência de delito praticado por terceiro e de processo do qual nem sequer tomou conhecimento. Responsabilidade objetiva do ente público. Incidência do art. 37, § 6º, da CF. Excludentes de responsabilidade do Estado não verificadas. O dano moral, no caso, é o puro, pois o fato de ser o direito à liberdade violado, indevidamente, gera abalo na esfera íntima, sendo passível de reparação pecuniária. Outrossim, na mensuração do dano, não havendo no sistema brasileiro critérios fixos e objetivos para tanto, mister que o juiz considere aspectos subjetivos dos envolvidos. Assim, características como a condição social, a cultural, a condição financeira, bem como o abalo psíquico suportado, hão de ser ponderadas para a adequada e justa quantificação da cifra reparatório-pedagógica. Quantum minorado. Sucumbência redistribuída. Compensação da verba honorária autorizada. O Estado está isento de recolher custas processuais quando o processo tramitar em cartório estatizado. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO E AO REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70021570650, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 24/10/2007)

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DANOS MORAIS. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por meio de atuação dos seus agentes, prende ou detém ilegalmente o indivíduo. Em tal caso, o ente estatal deve indenizar os prejuízos morais advindos da prisão indevida. O Estado tem o dever de respeitar integralmente os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. Ao prender indevidamente o indivíduo, o Estado atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção violado. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70008255895, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 26/04/2006).

    Nesse tocante, considerando a gravidade da conduta irregular levada a efeito pela Administração Pública e a facilidade com que poderia agir a fim de evitar tal dano, o quantum fixado é adequada a reparar o abalo suportado.

    No tópico, convém citar a forma esclarecedora e objetiva com que já se manifestou esta Câmara (Apelação Cível nº 70000862839, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clarindo Favretto, julgado em 21/12/2000), quando do voto lavrado pelo eminente Relator em que discorrera acerca do quantum indenizatório.

    (...).

    É razoável tudo aquilo que é sensato, comedido, moderado, isto é, que guarda uma certa proporcionalidade. O magistrado, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano por ela produzido, servindo-lhe, também, de norte, o princípio acima citado, de que é vedada a transformação do dano em fonte de lucro.

    Qualquer quantia a mais do que a necessária à reparação do dano moral importará em enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

    (...).

    A indenização deve ser fixada de modo a reparar a vítima pela lesão sofrida, causando impacto sobre o patrimônio do agente causador do dano, a fim de que o ilícito praticado não volte a se repetir, mas sempre observando o fato de que a verba indenizatória não pode acarretar o enriquecimento indevido da vítima, tornando-se uma vantagem em detrimento a sua não ocorrência.

    Tecidas essas ponderações, entendo que o valor da indenização deva ser fixado em R$ 40.000,00, cujo montante deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir da sessão e julgamento, acrescida de juros, desde a data do evento danoso, correspondente à prisão indevida.

    ANTE O EXPOSTO, rejeito a preliminar contrarrecursal e dou parcial provimento ao recurso, condenando o Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento da quantia de R$ 46.500,00, equivalente a 100 salários mínimos, cujo montante deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir da sessão e julgamento, acrescida de juros, desde a data do evento danoso, correspondente à prisão indevida.

    Em face da sucumbência recíproca, já que não foi reconhecida a condenação em relação à requerida L., redimensiono a sucumbência, condenando o Estado ao pagamento de 80% das custas processuais e honorários ao procurador do autor, que fixo em 15% sobre o valor da condenação. O restante das custas ficará a cargo do autor, o qual deverá suportar os honorários do advogado da requerida L., que mantenho conforme fixados na sentença, suspensa a exigibilidade em relação ao autor, por estar ele litigando amparado pela AJG, autorizada a compensação da verba honorária.

    Des. Leo Lima (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.

    Des. Jorge Luiz Lopes do Canto -

    De acordo com o insigne Relator, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto, que autorizam a conclusão exarada no voto.

    DES. LEO LIMA - Presidente - Apelação Cível nº 70028483477, Comarca de Porto Alegre:"REJEITARAM A PRELIMINAR CONTRARRECURSAL E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

    Julgador (a) de 1º Grau: FABIANA DOS SANTOS KASPARY

    ..........................

    [1] Processo Penal, Julio Mirabete, 14ª ed. , p. 76.

    [2] 20ª ed., p. 355/356

    [3] Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed., p. 255/256

    [4] Responsabilidade Civil, 1ª ed., p. 31/32

    ....................................................

    LEIA TAMBÉM A ÍNTEGRA DA SENTENÇA QUE HAVIA JULGADO IMPROCEDENTE A AÇÃO POR DANO MORAL CONTRA O ESTADO

    "Embora compreensível o constrangimento experimentado pelo autor por ocasião do período de segregação cautelar, não vejo ato comissivo dos agentes do Estado capaz de gerar o dever indenizatório".

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