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16 de Abril de 2024

A inadequação da impenhorabilidade salarial absoluta

Publicado por Espaço Vital
há 11 anos

Por Marcelo Pires Hartwig,

acadêmico de Direito da UFPel

Numa primeira leitura do inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil, imagina-se ser incogitável a penhora de salários, com exceção, logicamente, da penhora para pagamento de prestação alimentícia, expressa em seu parágrafo 2º. Contudo, após uma melhor análise do tema, tal disposição legal logo se revela inadequada, eis que vinculada a uma ultrapassada concepção positivista do Direito, com redação quase idêntica ao disposto no artigo 529 do vetusto Decreto nº 737, de 1850.

Até os primeiros trinta anos do século XX, a maioria da população brasileira recebia salários que correspondiam ao estritamente necessário à sua sobrevivência, justificando a impenhorabilidade integral. Contudo, entre 1937 e 1940, o processo de industrialização no Brasil gerou o crescimento acelerado de algumas cidades, desenvolvendo os serviços urbanos em geral, o que fortaleceu a classe média, que passou a ser formada, além da tradicional elite agrária, por profissionais liberais, altos funcionários, etc., muitos dos quais já recebendo remuneração que suplantava o essencial à sua subsistência. A partir daí, o sistema da impenhorabilidade de salários possibilitou a ocorrência de flagrantes injustiças, como quando um operário de baixa remuneração ficava impossibilitado de, mediante penhora de salários, haver eventuais créditos que possuía em face daqueles que auferiam altos salários. Não por outro motivo, há mais de sessenta anos a doutrina critica o referido sistema.

Vivemos a fase do pós-positivismo, que transferiu o centro da ordem jurídica da lei pura para os direitos fundamentais, com maior ênfase nos princípios jurídicos.

Nesse contexto, invoca-se a prestigiadíssima proporcionalidade (Constituição Federal, artigo , § 2º), que estabelece critérios de interpretação e aplicação das normas jurídicas, coadunando a letra da lei com os valores constitucionais fundamentais. Ela permite o equilíbrio entre a previsão legal geral com as peculiaridades do caso concreto, auxiliando o julgador a formular uma decisão justa.

Logo, claro está que a ideia da proporcionalidade vai ao encontro da penhora de salários, que se mostra um importante instrumento de justiça. Aliado a isso, já entendeu o STJ que, em princípio, é inadmissível a penhora salarial; mas, ao entrar na esfera de disponibilidade do devedor, sem que tenha sido consumida integralmente para o suprimento de suas necessidades básicas, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável.

A possibilidade de penhora de salários irrestrita daria ensejo a situações em que o devedor ficaria privado do necessário à sua subsistência; contudo, a impenhorabilidade total é demasiada, produzindo efeitos contraproducentes. Deve-se utilizar um meio-termo, observando-se a capacidade econômica do executado.

Em outros países, como Argentina, EUA, França e Portugal, permite-se a penhora salarial, desde que atendidas certas condições. Ainda não há critérios objetivos para a fixação de um percentual penhorável de salários, apenas parâmetros gerais na lei e na jurisprudência. Caberá ao magistrado, com bom senso dele esperado, fixar essa parcela.

O Congresso Nacional vem se mobilizando no sentido de permitir a penhora de salários, como se notou com o Projeto de Lei nº 51/2006 (originou a Lei nº. 11.382/2006), que incluía o § 3º ao artigo 649 do CPC, permitindo a penhora parcial de salários. Infelizmente, esse parágrafo acabou vetado pela Presidência da República.

De se falar, também, do projeto de novo CPC, que permite, em seu artigo 790, § 2º, a penhora salarial, desde que a verba supere o valor de 50 salários mínimos mensais.

Pelo exposto, percebe-se que, nos dias de hoje, é injustificável a impossibilidade de penhora da verba salarial, bem como que a norma que a consagra tende a deixar de integrar o ordenamento jurídico brasileiro, pois não condiz com a realidade social da atualidade. O Direito existe para realizar a justiça, o que vai muito além e tem muito maior importância que um dispositivo legal ultrapassado.

hartwigmarcelo@gmail.com

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