Taquigrafia às avessas
Por Rafael Berthold,
advogado (OAB-RS nº 62.120)
Quando chegou ao trabalho, a chefe do Departamento de Taquigrafia e Estenotipia do Foro Central encontrou o seu setor em polvorosa. Tudo por causa de uns advogados que fizeram questão de registrar em ata suas considerações sobre o Judiciário.
O que está acontecendo aqui? indagou a chefe.
A taquígrafa que realizou a degravação se apressou em responder:
Foi um dos trabalhos mais difíceis que já realizei. Foi uma confusão: vários advogados do mesmo escritório falando ao mesmo tempo, um se atravessando no discurso do outro, todos querendo expressar os seus sentimentos e opiniões. Não dava nem pra identificar quem disse o que. Tive que voltar e avançar a fita várias vezes até conseguir registrar tudo o que foi dito. Mas o pior não é nem isso. Relendo a degravação, percebi que os tais advogados só queriam mesmo era ofender a nossa classe, dos serventuários da justiça.
Deixe-me ver a degravação.
A chefe retira o papel das mãos da servidora e, após alguns instantes de leitura, devolve-o com a seguinte indagação:
Você tem certeza de que não fez confusão ao ficar avançando e retornando a fita?
Acho que não fiz confusão nenhuma. Afinal, o texto ficou bem claro, não ficou?
Pois então releia o documento, em voz alta.
(Segue, na íntegra, o texto da degravação:)
Bom dia!
Chegando no cartório, o que recebemos foi um belo de um [...]
Atendente preguiçoso e apático.
Não vislumbramos nem sequer um [...]
Sorriso no rosto dos servidores.
Tudo o que desejamos é ver, nas varas cíveis, [...]
Menos desorganização e mais eficiência.
O que temos testemunhado, ultimamente, é [...]
A resistência dos magistrados em receber os advogados em seus gabinetes.
É flagrante como diminuiu [...]
O coleguismo entre servidores e advogados.
Devemos perseguir, isto, sim, [...]
A implantação de metas rigorosas para os funcionários do Judiciário.
Se assim fosse, algo que ficaria em segundo plano seria [...]
A relação mais direta e informal entre os operadores do Direito.
Nós, advogados, temos por objetivo [...]
Fazer o nosso trabalho e nada mais.
Não pensem que estamos aqui para [...]
Auxiliá-los na árdua tarefa de administrar a prestação jurisdicional.
Nossa obrigação é nos fazer disponíveis [...]
Às nossas famílias e clientes.
Se precisarmos, daremos as costas [...]
Às reivindicações do Judiciário.
Estamos determinados a atender [...]
Apenas aos nossos próprios interesses.
Os senhores não nos verão mais dar atenção [...]
A todos os servidores!
E assim que a taquígrafa concluiu a leitura, a chefe lhe fez um estranho pedido:
Agora, releia tudo de novo só que do fim para o início, e diga-me se você realmente não fez confusão...
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