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20 de Abril de 2024
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    Corrupção ativa, corrupção passiva e prevaricação

    Publicado por Espaço Vital
    há 12 anos

    "A imagem do Poder Judiciário é a pior possível. Há um corporativismo ideológico, que favorece certa infiltração periogosíssima. Num total de 16 mil magistrados no país, cuja quase totalidade é honesta, os bandidos de toga são uma coisa mínima, de aproximadamente 1%. Mas eles fazem um estrago absurdo!"

    (Ministra Eliana Calmon, em 28 de setembro de 2011).

    O Espaço Vital teve acesso na manhã de hoje (7) ao teor da decisão judicial que recebeu a denúncia que tem cinco pessoas como réus, dentre os quais quatro são operadores do Direito. Foram denunciados um agora ex-juiz; o pai dele; um servidor do Judiciário gaúcho; a mulher do servidor (que é advogada) e um advogado.

    Ajuizada pela Procuradoria Geral de Justiça em 11 de dezembro do ano passado, a ação tinha como primeiro réu o juiz gaúcho Diego Magoga Conde que fora titular da 1ª Vara Judicial da comarca de São Lourenço do Sul. Conde fora colocado em disponibilidade remunerada em 30 de maio de 2011, mas manteve a condição de magistrado - razão pela qual a ação foi ajuizada perante o Órgão Especial do TJRS.

    Todavia, o juiz tomou a iniciativa de pedir sua exoneração em 24 de fevereiro deste ano - razão pela qual o processo foi encaminhado à comarca de São Lourenço do Sul (RS), tido como o local onde ocorreram os ilícitos.

    O processo tramita sob segredo de justiça, que já tinha sido concedida no Órgão Especial do TJRS. Ninguém está preso. Estão em curso as diligências de intimação dos réus de que a denúncia foi recebida.

    Leia a íntegra da denúncia

    (Proc. nº 21200005022 - comarca de São Lourenço do Sul)

    "Vistos. O Ministério Público, com base no processo investigatório n.º 001/2010, ajuizou ação penal contra:

    DIEGO MAGOGA CONDE, dando-o como incurso, por duas vezes, nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal; por duas vezes, nas penas do art. , V, e § 1º, inciso II, da Lei n.º 9.613/98, e por uma vez, nas sanções do art. 319, caput, do Código Penal, tudo c/c arts. 29, 69, do mesmo estatuto legal;

    JULIANO WEBER SABADIN, dando-o como incurso, por duas vezes, nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal e, por uma vez, nas penas do art. 319, caput, do mesmo estatuto legal, tudo c/c arts. 29, 69, do Código Penal.

    EUGÊNIO CORRÊA COSTA, dando-o como incurso, por duas vezes, nas sanções do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, e do art. , V, e § 1º, II, da Lei 9.613/98, por uma vez, tudo c/c arts. 29, 69, do Código Penal,

    JULIANA LEITE HAUBMAN, dando-a como incursa nas sanções do art. , V, e § 1º, II, da Lei 9.613/98, c/c art. 29, caput, do Código Penal, e contra

    VITOR HUGO ALVES CONDE , dando-o como incurso, por duas vezes, nas sanções do art. art. , V, e § 1º, II, da Lei 9.613/98, c/c art. 29, caput, do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP).

    O Ministério Público, ainda, diante das provas carreadas aos autos, postulou o arquivamento do expediente instaurado em desfavor de Dario Harter. O feito foi originalmente distribuído para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, diante do cargo ocupado pelo acusado Diego.

    Recebidos os autos pelo Relator (fl. 3785), este determinou a notificação dos réus, e acolheu o pedido de arquivamento do feito em relação à Dario Harter.

    Notificados, os réus apresentaram resposta preliminar.

    A acusada Juliana Leite Haubman apresentou resposta às fls. 3841-3851, alegando não haver praticado os fatos descritos na denúncia. Sustentou que a conduta descrita na exordial não se amolda à figura típica do crime de lavagem de dinheiro, uma vez que não lhe fora imputada, na peça acusatória, a prática dos crimes antecedentes taxativamente descritos pela Lei n.º 9.613/98.

    Disse que os valores discutidos têm origem em liberação de alvarás judiciais, não havendo a necessária ciência da origem criminosa dos valores transferidos para sua conta corrente, ao fim de lhe ser imputado o delito descrito na exordial. Argumentou a ausência de ilicitude da conduta de transferir-se valores entre contas-correntes de cônjuges. Postulou a rejeição da denúncia por falta de condição exigida pela lei para o exercício da ação penal em relação ao delito que lhe fora imputado.

    O acusado Juliano Weber Sabadin, por seu turno, disse em sua resposta à acusação (fls. 3853-3902), que nunca teve a oportunidade de apresentar sua versão para os fatos, uma vez que jamais fora ouvido sobre estes. Argumentou que não praticou os atos descritos na inicial, sendo que na posição de inferior hierárquico do codenunciado Diego não tinha poderes de decisão, não podendo ferir a imparcialidade como lhe fora imputado na denúncia.

    Asseverou, outrossim, que a denúncia não aponta contra si fato certo, uma vez que é genérica, e que por esse motivo resta prejudicada a ampla defesa e o contraditório. Alegou, também, que o corréu Diego, quando ouvido, reconheceu que foi ele quem liberou os alvarás e proferiu as decisões descritas na inicial, e que, sendo este o panorama, ficaria exonerado das acusações nesse sentido.

    Defendeu, também, que em razão de a peça acusatória ser confusa e contraditória, não poderia ser recebida, especialmente em relação aos crimes de corrupção passiva. Aduziu, nesse passo, não haver qualquer prova nos autos quanto aos fatos a ele imputados. Afirmou, outrossim, que com relação ao crime de corrupção ativa foi oferecida denúncia alternativa pelo Ministério Público, pois descreveria várias maneiras do crime ser cometido, com três datas, pessoas, contas e locais diversos, o que não atenderia aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, motivo pelo qual deveria ser considerada inepta.

    Argumentou, ainda, que embora não tenha praticado os atos descritos na inicial, se assim tivesse ocorrido, teria agido no estrito cumprimento do dever legal, sendo, portanto, atípicos os fatos que lhe foram imputados e, por fim, que agiu em obediência hierárquica, o que é uma causa de exclusão da culpabilidade. Postulou a absolvição pelos crimes que lhe foram imputados, ou, alternativamente, pelo não recebimento ou rejeição da denúncia.

    O acusado Diego apresentou resposta à acusação nas fls. 4025-4077. Alegou, preliminarmente, a nulidade do feito, uma vez que seria do Órgão Especial a competência para a investigação de magistrados suspeitos de prática criminosa, ao passo que, no caso dos autos, toda a investigação foi feita pelo próprio Ministério Público.

    No mérito, disse que a acusação pelo crime de corrupção passiva afrontaria o princípio do ne bis in idem e à coisa julgada material, uma vez que está fundamentada nos mesmos fatos já apreciados pelo Órgão Especial do TJRS quando do julgamento do processo administrativo que propiciou a colocação do réu em disponibilidade remunerada, sendo que tal alegação foi dada como inexistente e não simplesmente como não provada.

    Afirmou, outrossim, que os dados bancários e fiscais dos corréus Vitor Hugo e Juliana já estavam nos autos do procedimento administrativo antes do julgamento realizado pelo Órgão Especial, motivo pelo qual não poderiam ser tomados como provas novas a fim de possibilitar a reabertura do processo.

    Asseverou não haver provas mínimas dos fatos imputados na peça acusatória, a se conferir a justa causa necessária para a ação penal. Aduziu, também, a ausência de provas quanto à pratica de qualquer dos crimes antecedentes, dentre aqueles elencados no art. da Lei n.º 9.613/98 a ensejar a imputação do crime de lavagem de dinheiro, já que afastada a prática do crime de corrupção passiva pelo Órgão Especial.

    No que diz com o crime de prevaricação, asseverou que na peça acusatória não foi apontado qual o ato ofensivo a lei que teria sido cometido pelo réu, sendo, portanto, inepta a denúncia no particular. Postulou, assim, o acolhimento da preliminar suscitada e, no mérito, a rejeição da denúncia nos termos do art. 395 do CPP.

    O acusado Vitor Hugo Alves Conde, apresentou resposta à acusação às fls. 4049-4077. Asseverou que não praticou os fatos descritos na denúncia, uma vez que o dinheiro relacionado ao 3º fato relacionado na peça incoativa seria oriundo do faturamento como produtor rural e da aquisição, com a parte que lhe cabia, de dólares e euros, e que tal quantia fora utilizada para a aquisição de uma sala comercial, sendo que diante da demora na lavratura da escritura, o dinheiro foi depositado pelo seu filho, o corréu Diego, em uma conta corrente em seu nome, pois, por ser pessoa idosa, necessitou do auxílio do filho para tanto. Alegou, nesse passo, que tão logo elaborada a escritura, o negócio foi perfectibilizado.

    Com relação à compra do automóvel Mercedes Benz, disse que esta não foi julgada irregular pelo Órgão Especial do TJRS, porquanto empregados valores lícitos para a sua aquisição, as quais, inclusive, foram lançadas no imposto de renda.

    Com relação ao dinheiro relacionado no fato 6 da denúncia, o valor foi-lhe emprestado por João Grigoletto, um amigo seu e cliente, para a aquisição de uma nova sala comercial, sendo que o valor tomado a título de empréstimo, mais um valor que já detinha, foram depositados em sua conta em 30.07.2010, perfazendo um total de R$ 62.000,00.

    Disse, então, que, diante da não concretização do negócio, o valor tomado como empréstimo foi devolvido a João em 15.11.2010. Em razão disso, sustentou a ausência de justa causa para o recebimento da denúncia, uma vez que comprovada a inexistência do fato delituoso. Postulou a rejeição da denúncia, por ausência de justa causa para o seu recebimento.

    O acusado Eugênio Corrêa Costa, por fim, apresentou resposta à acusação às fls. 4152-4160, dizendo que a acusação de corrupção ativa já teria sido apreciada e afastada pelo Órgão Especial. Com relação ao delito de lavagem de dinheiro, disse que não demonstrada a prática de qualquer crime antecedente, dentre aqueles elencados no art. , da Lei n.º 9.613/98. Pugnou pela rejeição da denúncia.

    O Ministério Público lançou promoção às fls. 4163-4176, pugnando pelo afastamento das preliminares suscitadas e recebimento da denúncia.

    O réu Diego, então, noticiou nos autos sua exoneração do cargo de juiz de direito de entrância inicial, cessando, pois, sua prerrogativa de foro (fl. 4180)

    O Ministério Público, diante disso, opinou pela declinação da competência e o encaminhamento dos autos ao primeiro grau (fls. 4186-4189), o que foi acolhido (fl. 4193).

    Vieram os autos a este juízo, sendo determinado fosse dada vista ao Ministério Público (fl. 4210) O Ministério Público, então, postulou o depósito, em Cartório, do expediente preliminar n.º 067/2.12.0000503-0, franqueando-se consulta às partes; seja recebida a ação penal nos termos do art. 396 do Código Penal, bem como seja autorizado o compartilhamento das provas destes autos com a esfera cível, a fim de se aferir viabilidade do manejo de ação civil pública para tratar dos mesmos fatos deste processo (fls. 4212-4214). Vieram-me então os autos conclusos.

    É o relato.

    Decido.

    1. Inicialmente, acolho o requerimento ministerial e mantenho a determinação para que os autos da medida cautelar fiquem à disposição no cartório para consulta das partes, sem apensamento físico aos autos da presente ação penal, nos termos da decisão da fl. 3785.

    2. Outrossim, com relação ao rito a ser adotado, chamo o feito à ordem, pois diante da exoneração do acusado Diego do cargo de Juiz de Direito, cessou a competência por prerrogativa de função do Órgão Especial do Egrégio TJRS, com a remessa dos autos a este grau de jurisdição. Assim, considerando ainda que sequer houve o recebimento da denúncia, tenho por inaplicáveis às disposições da Lei nº 8.038/90, devendo a presente ação penal seguir o procedimento comum ordinário previsto nos arts. 394 e seguintes do CPP, aplicável a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ressalvados os delitos de competência do JECRIM e do Tribunal do Júri, inclusive porque a denúncia capitula delitos funcionais e delitos ´comuns´´ e por ser mais benefício aos réus.

    3. De outro lado, antes de analisar o recebimento da denúncia propriamente dito, aprecio três questões arguidas pelas defesas: a inviabilidade da acusação no tocante aos fatos que não foram admitidos/reconhecidos pelo Órgão Especial no julgamento do procedimento administrativo que culminou na colocação do disponibilidade do acusado Diego Magoga Conde; a inépcia da peça acusatória, por violação ao art. 41 do CPP; e a nulidade do feito em razão de o procedimento investigatório ter sido conduzido pelo Ministério Público, ´usurpando´ a competência do Órgão Especial do TJRS.

    Primeiramente, no tocante à alegação de bis in idem e coisa julgada material no tocante aos crimes relacionados aos fatos que não teriam sido reconhecidos pelo Órgão Especial no julgamento do procedimento administrativo movido em face do acusado Diego Magoga Conde, tenho que não assiste razão às defesas, uma vez que é princípio basilar do sistema de responsabilidades brasileiro a independência entre as instâncias cível, administrativa e criminal, ressalvada as hipóteses do art. 65 do Código de Processo Penal e do art. 935 do Código Civil, o que não é o caso dos autos.

    Aliás, gize-se que o art. 125 da Lei nº 8.112/90 é de clareza solar ao dispor que "As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si".

    Em outros termos, em nenhuma hipótese a decisão proferida em juízo cível ou administrativo faz coisa julgada capaz de interferir na jurisdição criminal, sequer podendo o fato de uma conduta não ter sido imputada na esfera administrativa servir como óbice à persecução penal. Contrario sensu, esse o entendimento esposado pela jurisprudência do Egrégio STJ:

    ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL. PRECEDENTES. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM CONSELHO DISCIPLINAR DA POLÍCIA. POSSIBILIDADE.

    1. A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusivamente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria.

    2. O Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento no sentido de haver respaldo no texto constitucional a presença de Promotor de Justiça e/ou de Procuradores do Estado no Conselho da Polícia Civil, tendo em vista que a Carta Magna não impede a participação de membros do Ministério Público em órgão consultivo ou de deliberação. Vale ressaltar que a própria Constituição prevê o controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público (art. 129, inciso VII, CF). Além do mais, esta participação no Conselho de Polícia é compatível com a missão do Ministério Público de fiscalizar a legalidade e moralidade pública.

    3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. (RMS 32.375/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 31/05/2011).

    No que diz respeito à preliminar de inépcia da denúncia, arguida pelas defesas dos réus Diego Magoga Conde e Juliano Sabadin, entendo que não logra sucesso a alegação dos acusados. Com efeito, o art. 41 do Código de Processo Penal dispõe que "A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

    Vale dizer, exige-se que a denúncia traga em seu bojo a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e elementares do tipo penal imputado, a fim de que seja satisfeito o princípio da ampla defesa. Em outros termos, é vedada a denúncia genérica, pela qual, "dada à pluralidade e/ou complexidade dos atos imputados, não se possa atribuir com clareza a individualização dos comportamentos dos réus, comprometendo-se, por isso mesmo, a amplitude da defesa", mas que não se confunde com a denúncia geral, em que se "imputa a todos os réus, sem divergência quanto aos respectivos comportamentos, a realização dos mesmos fatos".

    2. Não se pode falar em inépcia, uma vez que não ocorre prejuízo à articulação da defesa, " já que todos estariam habilitados a compreender a imputação e, assim, a se defender dela ".

    3. Sobre o tema, essa a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

    HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DENÚNCIA GERAL. POSSIBILIDADE. INÉPCIA NÃO CONFIGURADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. COMPETÊNCIA. FASE PRÉ-INQUISITORIAL. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIMENTO. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. EXPEDIÇÃO. MANDADO DE PRISÃO. SILÊNCIO. PRESSUPOSTOS. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. IMPOSSIBILIDADE, CASO NÃO PRESENTES OS REQUISITOS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, TÃO SOMENTE PARA PERMITIR AO PACIENTE AGUARDAR EM LIBERDADE O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO.

    1. A teor do entendimento desta Corte, é possível o oferecimento de denúncia geral quando uma mesma conduta é imputada a todos os acusados e, apesar da aparente unidade de desígnios, não há como pormenorizar a atuação de cada um dos agentes na prática delitiva. Inépcia da denúncia afastada. (...) 7. Ordem concedida, tão-somente para permitir ao Paciente permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação. (HC 118.123/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/06/2010).

    É o que se infere do caso dos autos, em que uma simples leitura da exordial acusatória autoriza a conclusão de que esta descreve, modo suficiente, as condutas de cada um dos acusados, bem assim as circunstâncias de tempo, modo e lugar, inclusive detalhando os fatos e as condutas de cada imputado, possibilitando a mais ampla defesa técnica.

    Sobre o suposto dissenso entre os membros do Ministério Público acerca de quais delitos teriam sido cometidos, desnecessárias maiores digressões, tendo em vista que, por força da independência funcional e das instâncias civil, administrativa e penal, não há necessária obrigatoriedade de que a denúncia criminal se limite aos fatos indicados no processo administrativo que antecedeu a propositura da presente ação penal, ainda mais quando esta veio embasada em outros fatos cujas provas foram apuradas após as razões finais apresentadas pelo Parquet naquele feito administrativo.

    Relativamente à alegação de nulidade do feito, em razão de o procedimento investigatório ter sido conduzido pelo Ministério Público, " usurpando "a competência do Órgão Especial do TJRS, igualmente não merece acolhida a pretensão defensiva. Nesse aspecto, a solução foi bem delineada no parecer das fls. 4163-4176, em que, com acerto, foi observado que a competência por prerrogativa de função não desloca ao Tribunal a função de polícia judiciária (STF, HC 85.507/SE, 1ª Turma, Rel. Min, Sepúlveda Pertence, julgado em 10/12/2002), sequer podendo a regra contida no art. 33, parágrafo único, da LOMAN servir como como meio para obstar a valorosa atribuição do Ministério Público em investigar o cometimento de ilícitos penais cometidos por aqueles investidos na função judicial do Estado, notadamente como ocorreu na espécie, em que a investigação criminal foi instaurada após requisição expressa do Exmo. Corregedor-Geral da Justiça (fls. 41-41).

    A propósito: MAGISTRADO - PROCESSO ADMINISTRATIVO VERSUS ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ARTIGO 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN.

    O que previsto no artigo 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não obstaculiza a atuação interna e externa do Ministério Público. Na primeira, mediante exame de dados que lhe tenham chegado às mãos e, na segunda, formalizando denúncia junto ao Tribunal competente, visando à persecução criminal. AÇÃO PENAL - TIPICIDADE - HABEAS CORPUS. O habeas não é meio próprio para apreciar-se a denúncia formalizada pelo Ministério Público. Óbice a esta última, via a impetração, pressupõe situação clara e precisa a afastar a persecução criminal. (HC 88280, Relator (a): Min. MARÇO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-02 PP-00333).

    4. Ultrapassadas tais questões, com relação ao recebimento da denúncia, observo que, havendo indícios de autoria e materialidade (existência de crime) e não estando presentes quaisquer das hipóteses do art. 395 do Código de Processo Penal, impositivo que seja instaurado o processo criminal, oportunidade em que será possível se apurar as alegações de mérito deduzidas pelas defesas, bem como as excludentes de ilicitude (estas afirmadas pelo acusado Juliano), todas as quais não prescindem de prova produzida sob crivo do contraditório.

    Os indícios de autoria e de materialidade de todos os crimes narrados na denúncia estão, a meu sentir, suficientemente positivados na farta documentação acostada no presente processo, em especial nos elementos colhidos no curso do processo administrativo instaurado contra o réu Diego Magoga Conde, nos dados bancários e nas interceptações telefônicas colhidas no curso da investigação, cujo teor consta dos autos, não sendo necessário pormenorizar neste momento processual.

    Nesse aspecto, veja-se primeiramente que, com relação aos acusados Juliana e Victor Hugo, sua conduta se enquadraria, em tese, na regra de extensão da responsabilidade penal prevista no art. 29 do Código Penal, uma vez que, segundo a denúncia, ao cederem sua conta bancária para trânsito do dinheiro e, ainda, sacarem a quantia (terceiro e sexto fatos), concorrem para a prática dos ilícitos penais, ainda que os crimes antecedentes ao delito de lavagem de dinheiro sejam imputados apenas aos demais corréus.

    Assim, ao menos neste momento processual, não há como afastar a sua legitimidade para responder à ação penal proposta.

    Tocante aos primeiro e segundo fatos, há indícios suficientes nos autos para indicar a possibilidade do cometimento dos delitos de corrupção ativa e passiva, decorrente do pagamento e recebimento de valores para fins de prolação de decisão favorável às pretensões do réu Eugênio na venda de dois imóveis para Dario Harter e liberação de alvará pagamento antecipado de honorários relativos ao processo de inventário nº 067/1.03.0003262-0, quantia esta que teria transitado pela conta da ré Juliana, passado pelo réu Eugênio e chegado, em parte, às mãos de Diego e de Juliano, em espécie, sendo depositado pelo primeiro na conta bancária de seu pai, o réu Victor Hugo, e utilizado pelo segundo para aquisição de um automóvel que seria de valor superior a suas posses.

    Referente ao quarto e quinto fatos, igualmente existem elementos mínimos que, por força do princípio do ´in dubio pro societate´ que prevalece nessa fase, autorizam a admissão da acusação, uma vez que houve de fato a liberação de alvará para pagamento antecipado de honorários em favor do réu Eugênio nos autos do processo nº 067/1.03.0001151-7, existindo indícios de que parte do valor possa ter sido repassado ao acusado Diego para prolação da decisão concessória do alvará, inclusive em descumprimento à decisão suspensiva pela Superior Instância, o qual transitou pelas contas bancárias dos réus Juliana e Victor Hugo.

    Ainda, Juliano teria concorrido para a prática do delito por intermediar/articular o cometimento do ilícito penal com os corréus Eugênio e Diego.

    Por fim, com relação ao sétimo fato, cumpre assinalar a existência de indícios da prática pelo ex-magistrado Diego, atuando em regime de plantão nesta Comarca, de ato de ofício em contrariedade à disposição expressa de lei, ao despachar liminar em Mandado de Segurança impetrado pela irmã de seu assessor, a fim de satisfazer interesse e sentimento pessoal relacionado ao vínculo de estreita amizade mantido com o réu Juliano, o qual seria, de fato, o possuidor/proprietário do veículo, que estava conduzindo no momento da apreensão, e participou da confecção da decisão liminar, de modo a concorrer para o crime.

    Ainda, de forma suspeita, foi determinado o arquivamento do feito sem vista ao Ministério Público ou informações da autoridade coatora.

    Assim, por todas estas razões, entendo que não ser o caso de rejeição liminar da denúncia, pois não estão caracterizadas as hipóteses previstas no art. 395 do Código de Processo Penal (conforme redação impressa pela Lei 11.719/08).

    5. Recebo, destarte, integralmente a denúncia, pois os fatos descritos na exordial caracteriza, em tese, ilícito penal. Ademais, há indícios da autoria e da materialidade que recaem sobre os denunciados.

    6. Citem-se os réus para responderem à acusação, por escrito, no prazo de dez dias (nos termos do art. 396, caput, do CPP, com a nova redação da referida lei), devendo constar da ordem de citação as hipóteses que os acusados poderão argüir, previstas no art. 396-A do CPP, e, ainda, a ressalva de que, caso não apresentada a resposta no prazo legal, nem constituído Defensor ou confirmado que seus advogados permanecem sendo aqueles que apresentam a resposta preliminar, o Juiz nomeará Defensor para oferecê-la.

    Cientifiquem-se os réus de que, sendo pobres, poderão requerer, diretamente ao Oficial de Justiça, a nomeação de Defensor ou procurar diretamente a Defensoria Pública.

    Intimem-se.

    Diligências legais.

    Max Akira, Senda de Brito, juiz de Direito".

    Partes na ação

    * Autora da ação penal: Justiça Pública, representada pelo Ministério Público Estadual

    * Defesa do réu Diego Magoga Conde - Advogados: José Antonio Paganella Boschi, Marcus Vinicius Boschi e Raquel da Luz Boschi.

    * Defesa do réu Vitor Hugo Alves Conde - Advogados: Alexandre Jaenisch Martini, Luciano J. T. de Medeiros, Felipe J. T. de Medeiros, Daniel Figueira Tonetto e Wagner A. H. Pompeo.

    * Defesa da ré Juliana Leite Haubmann - Advogados Geferson Pereira e Patrícia Pelegrino Pinzon.

    * Defesa do réu Eugênio Correa Costa - Advogado Tito Montenegro Barbosa Júnior

    * Defesa do réu Juliano Weber Sabadin - Ele atua em causa própria.

    Contrapontos

    A íntegra da decisão que recebeu a denúncia foi obtida pelo Espaço Vital na manhã desta terça-feira (7), sem tempo hábil para que se conseguisse contato com os advogados de defesa, até o momento do fechamento desta edição.

    A cada uma das defesas se disponibiliza espaço (até 2.800 caracteres) para que, individualmente, apresentem suas respectivas versões, a serem veiculadas na edição de amanhã (8) ou nas subsequentes.

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